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  • novembro 20, 2018

Pesquisa estimula plantas cítricas a se adaptarem à seca

Estudo pioneiro da Embrapa aproveita os mecanismos de “memória” desenvolvidos por plantas cítricas para um melhor convívio com situações de escassez de água. A técnica consiste em submeter as mudas a situações de déficit hídrico durante a sua formação. Ao receber menor quantidade de água nesse período, a planta desenvolve uma “memória” que a ajudará a enfrentar esse cenário no campo, quando adulta. Isso ocorre porque o desafio imposto provoca as chamadas alterações epigenéticas no vegetal, modificações no genoma que podem permanecer estáveis ao longo de várias divisões celulares e que não envolvem mudança na sequência original do DNA.

A pesquisa avaliou as alterações epigenéticas de dois porta-enxertos (parte inferior que corresponde ao sistema radicular da planta), o limoeiro Cravo e a tangerineira Sunki Maravilha, em combinação com a copa da laranjeira Valência. Essas alterações foram induzidas por recorrentes situações de déficit hídrico. A pesquisa está no escopo de uma série de trabalhos relacionados à tolerância à seca que a Embrapa vem desenvolvendo com diversas culturas, a exemplo da mandioca e da banana, levando-se em consideração o aumento gradativo das alterações climáticas no planeta.

Trata-se do primeiro estudo que relata alterações epigenéticas em citros submetidos a déficit hídrico. Há trabalhos dessa natureza, mas com outras culturas. Os resultados foram publicados no Scientific Reports, periódico on-line do grupo Nature.

Foram avaliados parâmetros fisiológicos, moleculares e hormonais a partir da interação entre a copa e o porta-enxerto, as duas partes que compõem a planta comercial de citros. “A ideia é montar novos experimentos com outras combinações copa/porta-enxerto utilizando essa metodologia. Para isso, esse estudo pode ser utilizado como piloto. As informações obtidas poderão ser empregadas no desenvolvimento de uma técnica de manejo com aplicação direta na cadeia citrícola”, destaca o pesquisador da Embrapa Abelmon Gesteira, responsável pelo estudo realizado em cooperação com o Programa de Pós-Graduação em Genética e Biologia Molecular da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), na Bahia, envolvendo as estudantes Diana Neves e Dayse Drielly Vieira, cujas teses de doutoramento embasaram a pesquisa.

Diana, que estudou os efeitos da recorrência do déficit hídrico nas plantas, assinala como principal inovação do trabalho a perspectiva de que a metodologia desenvolvida seja usada diretamente pelo produtor. “A ideia é que o viverista possa aplicar o déficit hídrico durante a formação das mudas antes de levá-las para o campo. Daí elas já vão com essa ‘memória’ de tolerância à seca”, complementa Diana, hoje doutora em genética e biologia molecular.

Três ciclos de déficit hídrico

O experimento foi montado em telado de citros da Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA). Segundo Gesteira, foram escolhidos os porta-enxertos Cravo e Sunki Maravilha por apresentarem comportamentos distintos de resposta à seca. Já a escolha da laranjeira Valência se deu por ser a variedade de laranja mais plantada no mundo e utilizada em grande quantidade no estado de São Paulo, maior produtor de citros do País. Compararam-se as respostas da copa Valência enxertada em Cravo e Sunki Maravilha durante três períodos de déficit hídrico recorrentes.

Houve um conjunto de plantas que recebeu apenas um ciclo de déficit hídrico, outro recebeu dois e, o terceiro, passou por três ciclos. De acordo com Gesteira, identificou-se o que havia de diferente entre o material que recebeu um ciclo e os que receberam dois e três ciclos de déficit hídrico.

“De maneira geral, o limoeiro Cravo não teve grandes alterações, pois já tem uma capacidade de extração de água muito boa, o que assegura o crescimento da planta. Enquanto que no caso da Sunki Maravilha, no primeiro déficit, as plantas sentiram muito. Já as plantas que receberam dois e três déficits hídricos iam melhorando suas respostas fisiológicas de tolerância à seca, com o aumento de taxas fotossintéticas no terceiro ciclo. O interessante é que a Sunki Maravilha demonstrou que assegurava a sobrevivência da planta, um efeito já do mecanismo de tolerância à seca”, salienta o pesquisador. E Diana complementa: “O Cravo é uma planta vigorosa, extrai bastante água do solo, como uma bomba. Já a Sunki Maravilha é mais tranquila na captação da água, suga aos poucos, como se fizesse uma economia. Sente no início, mas depois se ajusta”.

Gesteira explica ainda que, no caso da Sunki Maravilha, o ácido abscísico, conhecido como “hormônio da seca”, é sintetizado nas raízes e transportado para a parte aérea. “Quando ele transloca para a parte aérea, controla a abertura e o fechamento do estômato, então a planta fecha o estômato e diminui a perda de água, conseguindo manter, assim, a sua sobrevivência.”

O pesquisador ressalta a importância de estudos dessa natureza. “Estamos em uma situação cada dia mais complicada, não só na região semiárida. Em São Paulo mesmo, maior estado produtor de citros do País, ocorre um período de estresse hídrico intenso no inverno, que é frio, mas seco. As plantas ficam um período sem água. Então as que resistem mais ao déficit hídrico vão garantir um retorno melhor da produção. Elas sentem menos, podendo chegar a ficar de três a quatro meses sem água”, afirma. 

Novo trabalho

Gesteira diz que a pergunta agora é: será que essa memória de tolerância à seca passa para as próximas gerações? Ou seja, será que as borbulhas, pequenos brotos retirados de galhos de frutas cítricas que servem para produzir mudas, carregam essa memória? “A hipótese é que as borbulhas oriundas dessas plantas desafiadas para tolerância à seca tenham essa memória em condição de estresse. Esses mecanismos são o que chamamos de epigenética, alterações no genoma, como a metilação, que é um tipo de modificação química que pode ser herdada sem mudar a sequência original do DNA. Já iniciamos esse estudo, continuação do primeiro, com as borbulhas em casa de vegetação e vamos levar para campo também.” Os testes realizados integram o trabalho de outra bolsista de doutorado da Uesc, Andressa Sousa.

Em outra frente, Gesteira explica que pretende trabalhar, além das borbulhas, diretamente no processo de formação de mudas. “A ideia é dar um leve estresse às mudas no processo de formação e daí criar marcas epigenéticas por metilação, por exemplo, tendo assim um material mais tolerante. É como se fosse uma vacina. Você submete a planta ao estresse e vê mais à frente como ela vai se comportar em uma situação de deficiência hídrica. A planta vai sentir, mas espera-se que sinta menos por estar mais preparada para aquela situação”, explica. 

 

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