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  • setembro 4, 2020

Linchamentos virtuais, a barbárie do nosso tempo

 Em estudo publicado pela editora Contexto no ano de 2015, o sociólogo José de Souza Martins, após minucioso trabalho de pesquisa, revelou que, no Brasil, os linchamentos físicos geralmente se dão em resposta a crimes de que o linchado é suspeito de ter praticado contra algum membro da comunidade.

        Trata-se, segundo ele, de um fenômeno sociológico de motivação conservadora e de múltiplas causas, dentre elas a perda de legitimidade das instituições de Estado, que faz com que os linchadores reivindiquem para si uma justiça própria, súbita, difusa, irresponsável, irracional, sem chance de defesa, além de definitiva e inapelável.

        Além dos linchamentos físicos, de causas e objetivos já apurados por estudos como o acima citado, a sociedade agora observa um outro fenômeno sociológico, não menos patológico: os linchamentos virtuais, de causas e objetivos em sua gênese diversos dos linchamentos físicos.

Com efeito, os linchamentos virtuais, definidos em dada oportunidade pelo Superior Tribunal de Justiça, em julgado de 17/12/2013, como a “barbárie típica do nosso tempo” (REsp 1306157-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão), têm em sua origem, não crimes praticados pelo linchado, mas sim opiniões e posições políticas por este manifestadas.

 

        E, diferentemente do caráter espontâneo dos linchamentos físicos, os linchamentos virtuais são instigados por líderes e influenciadores políticos, que vêem o seu poder político e econômico ameaçados por opiniões divergentes, quando não por fatos corajosamente expostos pela potencial vítima do linchamento virtual.

        Ocorre que, para dar cabo ao objetivo espúrio de promover o descrédito do linchado, os instigadores se valem dos expedientes mais sujos, veiculando, aberta ou clandestinamente, por si ou por interposta pessoa, mentiras a respeito da vítima.

        É comum, nesse contexto, que a vítima seja exposta como alguém que ameaça valores da sociedade, como a família e a religião.

        Portanto, é através da gestão ou difusão do medo que os instigadores conseguem a adesão de indivíduo por indivíduo, que recebem acriticamente a informação e, impulsionados pelo medo, passam a compartilhá-la, julgando se tratar de questão urgente o banimento de quem estaria colocando em ameaça os valores que defendem.

        Rapidamente, identificando-se na defesa dos valores que julgam ameaçados, os indivíduos dispersos e anônimos formam um corpo coletivo até então oculto na trama social, descobrindo-se “membros da sociedade no ato de linchar”[1].

        Com a força desse corpo coletivo formado, a informação falsa se espalha de maneira rápida e incontrolável.

        A partir daí, os linchamentos físicos e virtuais passam a ter uma única motivação, que é “a tentativa de impor castigo exemplar e radical a quem” teria “agido contra valores e normas que sustentam o modo com as relações sociais estão estabelecidas e reconhecidas ou os tenham posto em risco”[2], colocando a própria integridade física da vítima em ameaça.

 Estabelecidas essas premissas, consideramos que é necessário que as empresas que gerenciam aplicativos de difusão de mensagens pela internet se comprometam, ainda que por força de lei, a estabelecer mecanismos de denúncia, de rápido acesso ao lesado, capazes de identificar a origem das mensagens e a identidade do propagador, além do bloqueio preventivo dos perfis que ameaçam não só a vítima do linchamento, mas também a democracia brasileira.

 

José Belga Assis Trad, advogado, pós graduado em Direito Penal Econômico pelo IBCCRIM/Coimbra e em Direito Penal e Criminologia pela PUC-RS.

[1] José de Souza Martins, Linchamentos, A Justiça Popular no Brasil, 2015.

[2] Idem, ibidem.

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