- outubro 9, 2017
Epopeia Acreana – Parte VII
Porto Acre, AC – Boca do Acre Acre, AM
Hiram Reis e Silva, Rio Branco, AC, 09 de outubro de 2017
Porque toda a lei se cumpre numa só palavra, nesta:
Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. (Gálatas – S. Paulo – 5:14)
Deem e será dado a vocês: uma boa medida, calcada, sacudida e transbordante será dada a vocês. Pois a medida que usarem também será usada para medir vocês. (Lucas – 6:38)
Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles; porque esta é a lei e os profetas. (Mateus – 7:12)
Vivemos dias tensos, resultado não apenas dos desmandos políticos que mergulharam a nação numa verdadeira “saeculum obscurum” (era das trevas), inundada de interesses espúrios e ações vis. Nossos representantes possuem as virtudes, defeitos e vícios da sociedade a que pertencem, não são diferentes da maioria de nós mesmos como alguns pretendem afirmar. Nossa sociedade está terrivelmente enferma, é necessário que receba dosagens massivas de honra, civismo, desprendimento, compaixão dentre outros atributos há muito olvidados. A maioria dos indivíduos que hoje esbravejam, lutam e defendem tão apaixonadamente seus direitos não cumpre suas mais simples obrigações esquecendo-se que “o seu direito termina onde começa o dos demais”.
A cortesia é irmã da caridade, que apaga o ódio e fomenta o amor.
(São Francisco de Assis)
Os cidadãos parecem ter perdido a fé uns nos outros e tratam-se com indiferença e muitas vezes escárnio. Embora todos reconheçam o valor da cortesia, poucos a praticam preferindo semear e cultivar o individualismo, o egoísmo ou mesmo a indiferença em relação ao seu próximo. A cortesia se manifesta nas ações mais simples, como dar prioridade aos idosos, gestantes e crianças, cumprimentar as pessoas com um aceno ou sorriso, dar o destino correto ao lixo, amparar, doar, ceder.
24.09.2017 – Porto Acre – AC 08a
Acordei às 04h00, tinha deitado cedo me preparando para mais esta jornada. Precisava esticar um pouco o primeiro tiro para chegar na manhã da terça-feira na Boca do Acre. Na programação original marcara apenas 51 km para hoje. Arrumei com calma meu material, tomei uma ducha fria, me hidratei bastante e arrumei o quarto. Às 04h30, me dirigi para o local onde combinara com o Cb Rogério da Silva Ribeiro – casa do Sr. Admilson e da Srª Maria José onde ancorara o nobre Argo (meu Caiaque).
O Cabo Rogério e seu irmão Rovede da Silva Ribeiro chegaram, de moto, pontualmente, às 05h00, como havíamos acordado. Carregamos o material e o caiaque para o porto e, às 05h20, parti deixando para trás dois grandes amigos. A receptividade por parte do Prefeito e o pessoal de seu gabinete, o carinho com que fomos tratados pelo Sr. Artur Sena (sem “h” mesmo, como ele enfatiza) coordenador da Sala Memória, na pensão em que pernoitamos e almoçamos, pela D. Chica e sua fiel escudeira Srª Raquel ficará guardada eternamente na nossa memória e nas páginas do livro “Descendo o Acre”, ainda em elaboração.
O céu estava fechado, garantindo uma manhã amena com bom rendimento. Quando adentrava nos trechos do Rio voltados para o Poente, uma doce e refrescante brisa envolvia ternamente meu corpo. Cumprimentei três ribeirinhos, dois piloteiros e um outro encarapitado no alto de um barranco a mirar o Rio. Todos corresponderam ao educadamente ao aceno e eu me surpreendi com isso. Mais adiante, um mulato simpático ou seria um afrodescendente, deixa prá lá. Além de me desejar um bom dia, entabulou uma rápida conversação em que me identifiquei, falando de minha descida. O Eduardo, esse era seu nome, me ofereceu café e um cacho de bananas. Agradeci a gentileza desejando-lhe uma boa jornada até Porto Acre e continuei a navegação. Ganhei meu dia, uma confiança e uma alegria intensa invadiram todo meu ser e deram novo ânimo à minha combalida alma, este é o valor da cortesia que tão insistentemente apregoo. Obrigado Eduardo, você é um ser humano diferenciado, guarde esta alegria de ser e este poder de se comunicar com o próximo como um bem precioso e tente ensinar isto aos demais.
Os botos e pescadores estavam muito agitados com a piracema dos mandis e uma garota fina caia tornando mais fresca e agradável a manhã. Passei, pelo AC 08, antes do meio-dia e continuei remando. Aportei, às 13h00, no AC 08a (09°14’10,7”S / 67°26’27,1”O). Uma bela praia com uma grande plantação de melancias. Um simpático ribeirinho veio prosear e indagar um pouco. Contou que há alguns anos passaram por aqui dois canoístas, segundo ele peruanos. Antes de partir o gentil senhor disse que se eu quisesse podia colher uma melancia para comer. Minha fé na humanidade crescera no dia de hoje. Logo que ele se afastou entrei rapidamente na barraca para digitar o diário de bordo e fugir dos famigerados maruins ou muruins que infestam a área. Até agora eu me considerara a salvo destas ferinhas aladas, que, diferente dos outros mosquitos, picam sem injetar na vítima nenhum elemento analgésico provocando dor, coceira e inchaço.
Total 1° Dia (Porto Acre – AC 08a) = 61,2 km
25.09.2017 – AC 08a – AC 09a
Como sempre acordei antes do despertador tocar o alarme. Comecei a arrumação às 04h00 e parti às 04h50. As poucas nuvens no firmamento prenunciavam forte canícula.
Encontrei o Sr. Amâncio empoleirado no 2° piso de sua embarcação, aportada na margem esquerda do Rio Acre, Trocamos algumas palavras e ele reportou nunca ter visto um caiaque por estas bandas.
Parei para fotografar uns botos e mais adiante um bando de cabeças-secas (Mycteria americana), os primeiros que avistei desde Assis Brasil. Surgiram também os primeiros alegres e travessos botos tucuxis (Sotalia fluviatilis). Avistei três gaivotas Talha-mar (Rynchops niger), também pela primeira vez. O avistamento de jacarés tornou-se mais frequente e os animais diferentemente dos encontrados a montante de Porto Acre entravam n’água calmamente sem grande estardalhaço, por certo não são objeto de caça desenfreada por estas bandas.
O tempo foi agradável até às 09h00, quando então o Sol forte começou a castigar sem dó nem piedade. Passei pelo ponto de Acampamento programado – AC 09, Vila Antimary e Foz do Rio Antimary (09°04’10,13”S / 67°24’00,63”O), depois de percorrer apenas 38,9 km, às 11h00. Continuei a viagem com o objetivo de abreviar ao máximo a última jornada até Boca do Acre. A partir das 13h00, comecei a analisar as opções de acampamento e, por fim, aportei em uma pequena prainha à jusante de Senápolis (AC 09a – 08°59’02,0”S / 67°19’34,7”O) por volta das 13h30.
Recebi a visita do Josiel e seu irmão que são filhos do Sr. Chiquinho, dono da plantação de melancias onde estacionei. Ficamos conversando longamente e por mais de uma vez os dois insistiram que eu aceitasse uma melancia de presente, agradeci a oferta tentadora e gentil dos jovens. Eu dispunha apenas de um canivete e comer melancia debaixo de um Sol escaldante atacado pelos minúsculos maruins não fazia sinceramente parte de meu cardápio. Após a visita entrei para minha escaldante barraca aguardando o pôr do Sol.
Total 2º Dia (8a – AC 09a) = 65,2 km
Total Parcial (Porto Acre – AC 09a) = 126,4 km
26.09.2017 – AC 09a – Boca do Acre
Acordei às 03h30, com alguns relâmpagos ao longe mas nenhum trovão. Às 04h00, comecei a arrumar a tralha preocupado que a chuva chegasse quando eu ainda estivesse desmontado o acampamento. Parti às 04h40, tempo nublado, fresco e sem chuva. Avistei mais duas gaivotas Talha-mar e alguns pequenos jacarés.
As 08h30 (08°50’23,9”S / 67°19’37,7”O), estava navegando seguindo a rota traçada no mapa de número 21, o derradeiro. Lembrei-me então de meus fiéis escudeiros Mário e Marçal que acompanhavam a par e passo a troca dos mapas na nossa Descida pelo Rio Juruá e vibravam quando chegávamos ao último mapa antes de cada uma das cinco cidades amazônicas separadas, em média, por mais de 500 km umas das outras.
Aportei, às 11h00, na Boca do Acre (08°45’11,67”S / 67°23’58,10”O) e fui imediatamente orientado aonde aportar pelos amigos da Marinha do Brasil comandados pelo Capitão-Tenente (AA) Gerson Garcia de Carvalho. Após o banho meu contato em Boca do Acre, indicado pelo Cel BM Roney, Antônio Jony da Costa Noronha me levou para almoçar no Hotel e Churrascaria Pantanal, administrado pela Srª Maria Lígia Perdigão Pantoja, que fora gentilmente disponibilizado pelo Prefeito José Maria Silva da Cruz para meu pernoite e refeições.
MISSÃO CUMPRIDA!!!
Agradecemos sinceramente o apoio de cada uma das amigas e amigos de Assis Brasil à Boca do Acre que tão gentilmente nos receberam.
Total 3º Dia (09a – Boca do Acre) = 45,7 km
Total Geral (Porto Acre – Boca do Acre) = 172,1 km
Total Geral (Iñapari, Peru – Boca do Acre) = 815,2 km
27.09.2017 – AC 09a – Boca do Acre
Retornei para o 7° Batalhão de Engenharia de Construção, em Rio Branco, em uma viatura do 7° BEC conduzida, mais uma vez, pelo Cabo Alexandre Soares Peixoto.
Vídeos da Epopeia Acreana – Assis Brasil, AC / Boca do Acre, AM
Parte I: https://youtu.be/2jYSjm2Q_A0
Parte II: https://youtu.be/_S4a2TsKMPA
R. Globo: https://www.youtube.com/watch?v=aXoFphkU7Zo&t=24s
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com;
Blog: desafiandooriomar.blogspot.com.br
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