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  • agosto 16, 2022

Ciência ajuda laranjas da região fluminense de Tanguá a conquistar selo de Indicação Geográfica

Ciência ajuda laranjas da região fluminense de Tanguá a conquistar selo de Indicação Geográfica

A qualidade e as características peculiares das laranjas da região estão relacionadas, essencialmente, ao meio geográfico

  • As laranjas da Região de Tanguá são conhecidas pela doçura intensa perceptível ao paladar e pelo maior rendimento de suco.
  • Cientistas demonstraram que o regime de chuvas e o clima da região influenciam diretamente na composição físico-química dos frutos.
  • As características e qualidades das laranjas se devem essencialmente à variação de altas e baixas temperaturas em períodos bem definidos.
  • No período de desenvolvimento dos frutos há abundância de água e na fase de maturação há deficiência hídrica, gerando um produto único com elevada doçura.
  • A temperatura do ar e a alta amplitude térmica influenciam no tamanho, na acidez e na coloração dos frutos.
  • As características únicas dos frutos são partilhadas pelos laranjais dos municípios fluminenses de Araruama, Itaboraí, Rio Bonito e Tanguá.

 

Graças ao trabalho científico, a laranja da Região de Tanguá, no estado do Rio de Janeiro, recebeu o 100º selo de Indicação Geográfica do País. A conquista só foi possível por meio de estudos conduzidos por pesquisadores da Embrapa. O desafio foi comprovar tecnicamente que a qualidade e as características peculiares das laranjas da região estão relacionadas, essencialmente, ao meio geográfico, o que compreende os fatores naturais e humanos. A análise das características físico-químicas dos frutos e a sua correlação com os fatores naturais da região são exigidos pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) para a solicitação de reconhecimento da região como Indicação Geográfica, na espécie Denominação de Origem (IG-DO).

As laranjas da região de Tanguá abarcadas pela IG-DO são da espécie Citrus sinensis, das variedades Seleta, Natal Folha Murcha e Natal Comum.

Coube à Embrapa Solos (RJ) a análise dos fatores ambientais de clima e solos e da área da delimitação geográfica da IG-DO. Já a Embrapa Agroindústria de Alimentos (RJ) realizou as coletas e análises químicas e sensoriais dos frutos das três cultivares, nas diferentes épocas de colheita. Os estudos desenvolvidos pelas equipes das duas unidades foram, então, correlacionados, comprovando que os solos, o regime de chuvas e o clima da região delimitada influenciam diretamente na composição físico-química dos frutos.

As laranjas da Região de Tanguá são conhecidas pela doçura intensa perceptível ao paladar e pelo maior rendimento de suco, que apresenta a tonalidade amarelo-vermelho na sua coloração. Por essas características, é bastante procurada por consumidores do estado do Rio de Janeiro e até de outras regiões, principalmente em feiras livres e supermercados.

Os estudos conduzidos pela Embrapa comprovaram que tais características e qualidades das laranjas se devem essencialmente à variação de altas e baixas temperaturas em períodos bem definidos, ao excedente hídrico no período do desenvolvimento dos frutos e deficiência hídrica no período da maturação.

O que a laranja de Tanguá tem?

Outros fatores influenciadores encontrados foram a predominância de horizonte arenoso na superfície e de argiloso na subsuperfície dos solos, a alta capacidade de troca de cátions do solo com as raízes das plantas, a inversão dos valores de cálcio e magnésio no solo em relação ao suco das laranjas e a maior concentração de potássio no solo, como fatores naturais do meio geográfico.

Saber fazer

A determinação dos fatores humanos, que também influenciam na qualidade das laranjas, é outra exigência para que o produto possa receber a Denominação de Origem. Estudos específicos, coordenados pela Emater, mostraram as seguintes características do saber fazer dos agricultores locais: a utilização de um único tipo de porta enxerto, a escolha por áreas arenosas para realizar os plantios de laranja, o baixo uso de máquina agrícolas, resultando na baixa compactação dos solos, o plantio direto e em covas grandes (covão), o reduzido uso de agrotóxicos, o plantio de lavouras consorciadas, a maior cobertura de vegetação no solo, a realização de adubação orgânica e o uso de abelhas na polinização das flores do laranjal.

Estudos realizados com o uso de ferramentas de geoprocessamento, executadas por Sistemas de Informação Geográfica (SIG), que processa dados geográficos e alfanuméricos, constataram que os municípios de Araruama, Itaboraí, Rio Bonito e Tanguá apresentaram fatores naturais similares entre si, que permitem a produção de laranjas com as características e qualidades descritas acima. Dessa maneira, os pesquisadores localizaram os pomares de laranja na distribuição regional a partir do georreferenciamento, delimitando geograficamente a Região de Tanguá a ser abarcada pela IG-DO, formada por esses quatro municípios.

Para confirmar a veracidade dos pontos de pomares obtidos no Núcleo de Geomática da Embrapa Solos, utilizando o sistema ArcGis, foram realizados trabalhos de campo em conjunto com a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio de Janeiro (Emater), o que permitiu fazer as correções necessárias com auxílio de GPS. Os dados coletados confirmaram o mapeamento digital da localização dos pomares.

A correlação entre solos, chuvas e amplitude térmica da região

De acordo com o exame de mérito realizado pelo INPI, as análises químicas realizadas pela Embrapa Agroindústria de Alimentos nas laranjas das variedades Seleta, Natal Folha Murcha e Natal Comum produzidas nos quatro municípios que compõem a IG-DO “Região de Tanguá” demonstraram que elas apresentam números elevados de sólidos solúveis totais (°brix), entre eles os açúcares. Tal característica pode ser atribuída a alguns fatores naturais da região, entre eles o regime de chuvas.  As baixas precipitações pluviais reduzem o conteúdo de água no solo, e essa condição determina o estresse por seca no período da colheita, o que acarreta teores elevados de sólidos solúveis nos frutos.

Na região formada pelos municípios de Tanguá, Araruama, Rio Bonito e Itaboraí existem dois períodos distintos de precipitação: primavera/verão e outono/inverno, e os menores índices pluviais são verificados no período de outono/inverno, em geral inferiores a 50 milímetros por mês. “Esse período coincide com a época de maturação e colheita das laranjas. O balanço hídrico com déficit na época da maturação na região faz com que a menor disponibilidade de água gere maior concentração dos elementos diluídos na água disponível. Tal condição possibilita o acúmulo de sólidos solúveis totais”, explica pesquisador da Embrapa José Ronaldo de Macedo.

A quantidade de sólidos solúveis nos frutos das três variedades também é influenciada pela grande variação das temperaturas na região da IG-DO, que possui amplitude térmica média de aproximadamente 10°C durante o ano todo, com declínio das temperaturas entre maio e outubro, período que antecede a colheita dos frutos. A alta amplitude térmica diária, assim como a temperatura do ar, influenciam outros aspectos qualitativos dos frutos, tais como tamanho, acidez e coloração.

Teor de cálcio acima da média

Ainda de acordo com o exame de mérito do INPI, os resultados das análises químicas feitas nas laranjas dos quatro municípios demonstraram também que os valores encontrados para cálcio são superiores aos comumente encontrados na literatura dos citros. Além disso, há na região uma inversão do que habitualmente costuma ocorrer nas laranjas produzidas em outras regiões: o teor de magnésio é superior ao teor de cálcio. Como o magnésio é importante para a formação das clorofilas nas laranjas e sua degradação origina a cor alaranjada proveniente dos carotenoides, ele atua como influenciador natural na cor expressiva do fruto.

Solos peculiares

Com relação aos solos da área delimitada da IG-DO, os estudos da Embrapa mostraram que há predominância de solos arenosos em superfície e de textura argilosa em subsuperfície. São solos ricos em cálcio, magnésio, fósforo e potássio, cujos valores de concentração variam de médio a muito alto. De acordo com os pesquisadores, os altos valores encontrados de potássio influenciam na redução da acidez dos frutos, no aumento dos sólidos solúveis totais, na sensação de sabor mais adocicado, no aumento do tamanho do fruto, no conteúdo de vitamina C e na cor da polpa das laranjas.

Macedo aponta que um dos resultados mais importantes foi verificado na correlação entre as pesquisas de solo, realizadas pela Embrapa Solos, e os estudos das análises químicas das laranjas, executados pela Embrapa Agroindústria de Alimentos. “Os estudos mostraram a inversão dos valores de cálcio e magnésio encontrados no solo. Esse é o fator mais importante e diferencial para a confirmação da IG-DO das laranjas da Região de Tanguá. A explicação fisiológica para esse fato é que o cálcio, mais disponível no solo, vai ser absorvido pela planta em maior quantidade e fará parte da constituição da casca, tornando o magnésio mais disponível para ser acumulado no sumo das laranjas. Em função dos valores desses nutrientes serem altos na capacidade de troca de cátions (CTC) do solo, tanto em superfície como em subsuperfície, é um fator natural que justifica a fama das laranjas Seleta, Natal Comum e Natal Folha Murcha produzidas na região serem conhecidas, popularmente, como as laranjas mais doces do Brasil”, detalha o pesquisador.

 

De onde vêm a doçura e o tamanho maior das laranjas

Os resultados das análises de qualidade realizadas pela Embrapa Agroindústria de Alimentos nessas três cultivares de laranjas comprovaram a “doçura” que deu fama aos frutos produzidos na região. O pesquisador da Embrapa Antonio Soares explica que os valores de Sólidos Solúveis Totais (SST) encontrados nas laranjas da região de Tanguá estão dentro do esperado para laranjas do tipo doce, variando de 11ºBrix a 14ºBrix. Entretanto, a Acidez Titulável Total (ATT) apresentou valores que variaram de 0,47g até 0,60g/100g de ácido cítrico.

“Os resultados obtidos indicam que a acidez presente no suco das laranjas da região de Tanguá foi muito inferior ao encontrado por outros autores em outras cultivares de laranjas e de diferentes regiões, um atributo de qualidade sensorial desejável para o consumo humano. Como a sensação de doçura é medida pelo Ratio, que é a relação entre os SST e a ATT, o valor do Ratio para as laranjas estudadas é muito alto, variando de 19 a 27. Normalmente, o Ratio das laranjas doces fica entre 10 e 13. Desta forma, a sensação de doçura das laranjas da Região de Tanguá, devido à sua baixa acidez, é bem maior que as das demais laranjas encontradas no mercado”, detalha o pesquisador.

Soares explica que os valores da Capacidade de Troca de Cátions (CTC) têm correlação com os atributos relacionados aos íons desses quatro minerais existentes no solo e a qualidade da laranja, pois atuam diretamente na concentração de Sólidos Solúveis Totais (STT), expressos em ºBrix, na diminuição da Acidez Titulável Total (ATT), na formação e degradação das clorofilas, na elevação dos tamanhos e no percentual de suco dos frutos.

“Esses quatros íons encontrados no solo ou adicionados pela calagem ou adubação são considerados nutrientes essenciais para as plantas superiores, incluindo, nesse caso, as laranjeiras. Como esses nutrientes influenciam na qualidade dos frutos, pode-se afirmar que é um fator natural diferencial para a IG-DO das laranjas da Região de Tanguá. O potássio está diretamente relacionado à qualidade – tamanho e sabor – das laranjas. Trabalhos já publicados sobre citros afirmam que esse elemento aumenta os conteúdos do ácido cítrico e ascórbico do suco, assim como melhora outras características do suco, como a relação açúcar/acidez e o conteúdo de vitamina C e açúcares. Já o cálcio, o magnésio e o fósforo estão diretamente relacionados à diminuição da ATT e, consequentemente, influenciam diretamente na elevação do Ratio”, complementa.

Os impactos da IG-DO esperados para a região

A Associação de Citricultores e Produtores de Tanguá (Acipta), detentora do selo da Denominação de Origem, e as secretarias de Agricultura dos munícipios de Tanguá, Araruama, Rio Bonito e Itaboraí, que participaram do processo de estruturação da IG-DO, esperam que o reconhecimento traga a valorização ao produto e aos agricultores locais, além do fomento do turismo e da revitalização do parque citrícola da região. A expectativa é que o uso do signo distintivo como estratégia de mercado agregue valor ao produto e proteja o notório saber dos produtores locais e as tradições culturais.

O agricultor Djalma de Andrade, que atualmente produz laranja em uma área de 4,3 hectares de seu sítio, em Tanguá, acredita que a denominação de origem fará com que os produtores da região manejem ainda melhor os seus pomares e busquem ampliar as áreas cultivadas, promovendo incremento da produção local. “Vejo os produtores animados [com o reconhecimento da Indicação Geográfica]. A região possui ainda muitas terras vazias, onde muitos produtores pretendem fazer novas plantações, com mudas certificadas e com manejo de pragas adequado.”

A adesão à utilização da Indicação Geográfica, na modalidade Denominação de Origem, é de caráter espontâneo e voluntário pelos produtores de laranjas das variedades Seleta, Natal Folha Murcha e Natal Comum, cuja produção tenha origem em propriedades localizadas na área geográfica delimitada e que cumpram na íntegra o Caderno de Especificações Técnicas da Denominação de Origem para as Laranjas, aprovado e publicado pelo INPI. A IG-DO será regida por um conselho regulador, cujos membros serão constituídos por associados da Acipta e representantes de instituições de pesquisa, extensão e ensino.

O registro da IG-DO da laranja da Região de Tanguá, contendo o caderno de especificações técnicas, foi publicado na Revista da Propriedade Industrial do INPI, edição de 26 de julho de 2022.

Produção de laranjas no estado do Rio de Janeiro

Dados de 2017 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a produção de laranjas foi de quase 24 mil toneladas em dez municípios do estado – incluindo Tanguá, Araruama, Rio Bonito e Itaboraí –, com área colhida total de 3.478 hectares, em 1.133 estabelecimentos rurais. Os três maiores produtores foram Tanguá (6.379 toneladas), Araruama (5.845 toneladas) e Rio Bonito (4.643 toneladas). Quase a totalidade da produção de laranjas da região de Tanguá é destinada para o consumo direto, ou seja, o consumo de mesa, e não para produção de suco.

O rendimento médio de produção de 12,25 toneladas por hectare (t/ha) dos municípios fluminenses, no entanto, foi bem inferior aos rendimentos médios dos estados do Paraná (37,08 t/ha), São Paulo (34,25 t/ha) e Minas Gerais (25,95 t/ha). Além disso, o rendimento médio no estado do Rio de Janeiro também está abaixo da média nacional, que é de 15,11 toneladas por hectare.

O Rio de Janeiro é apenas o 12º maior produtor de laranja do País, de acordo com dados de 2020 do IBGE.  São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Rio Grande do Sul lideram a lista. Os paulistas são responsáveis por 77% da produção brasileira, com a predominância de sua produção para destinação às indústrias de suco, diferentemente da produção no estado do Rio de Janeiro, que é essencialmente para consumo de mesa.

Fernando Gregio (MTb 42.280/SP)
Embrapa Solos

Contatos para a imprensa

Telefone: (21) 2179-4622

Kadijah Suleiman (MTb 22.729/RJ)
Embrapa Agroindústria de Alimentos

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