- dezembro 27, 2023
Chamas no Pantanal: O Grito Silencioso da Natureza
Em entrevista a jornal inglês, pesquisadores da Rede Pantanal apontam causas dos incêndios e estratégias para o bioma
Reportagem de Monica Piccinini – Jornalista Ambiental.
Texto original em inglês: Pantanal Blaze: Nature’s Silent Scream – Monica Piccinini
No mês de novembro, incêndios violentos engolfaram o Pantanal no Brasil, uma das maiores zonas úmidas tropicais do mundo e lar de espécies ameaçadas e comunidades indígenas.
Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e o Sistema de Alarmes da LASA e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 1.272.050 hectares já sofreram devastação por incêndios neste ano, número três vezes maior que os incidentes registrados em 2022.
Em entrevista a jornal inglês, pesquisadores da Rede Pantanal apontam causas dos incêndios e estratégias para o bioma
Reportagem de Monica Piccinini – Jornalista Ambiental.
Texto original em inglês: Pantanal Blaze: Nature’s Silent Scream – Monica Piccinini
Londres, GB – 27/11/2023.
No mês de novembro, incêndios violentos engolfaram o Pantanal no Brasil, uma das maiores zonas úmidas tropicais do mundo e lar de espécies ameaçadas e comunidades indígenas.
Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e o Sistema de Alarmes da LASA e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 1.272.050 hectares já sofreram devastação por incêndios neste ano, número três vezes maior que os incidentes registrados em 2022.
O diretor executivo do SOS Pantanal, Leonardo Gomes, descreveu a situação: “O tema do fogo persiste no Pantanal. Desde 2019, uma combinação de secas e as repercussões das alterações climáticas levaram ao surgimento de um número significativo de focos de calor em meados de Novembro, um mês que normalmente regista chuvas.”
Estendendo-se pelo Brasil, Paraguai e Bolívia, o Pantanal cobre um total estimado de 16 milhões de hectares. No Brasil, o Pantanal ocupa porções dos estados de Mato Grosso (35%) e Mato Grosso do Sul (65%).
Lá a vida selvagem é diversificada, com mais de 2.000 espécies de plantas, 174 mamíferos, 580 aves, 271 peixes, 131 répteis e 57 anfíbios. Entre seus habitantes estão inúmeras espécies vulneráveis e ameaçadas de extinção, incluindo a ariranha, o tamanduá-bandeira, o tatu gigante, a anta brasileira e o maior papagaio do mundo, a arara-azul. Além disso, o Pantanal abriga a maior densidade de onças-pintadas do mundo.
Luciana Leite, bióloga e ativista climática, mencionou que o Pantanal é um importante sumidouro de carbono, desempenhando papel fundamental na regulação do clima da América do Sul. Leite explicou: “Este ano enfrentamos uma seca atípica com aumento de temperaturas e ondas de calor e, como resultado, os incêndios voltaram. A escassez de bombeiros, aeronaves, máquinas e conhecimentos especializados colocou desafios no combate aos incêndios, desde incêndios em áreas florestais do bioma até incêndios de turfa que podem persistir e reacender sem gestão e monitoramento pós-evento adequados.”
Nos verões de 2019 e 2020, o Pantanal sofreu escassez de chuvas, conforme indica estudo do climatologista José Marengo, membro da Rede Pantanal de Pesquisa. Isto foi atribuído a uma diminuição no transporte do ar quente e úmido do verão da Amazônia para o Pantanal. Em vez disso, houve um domínio de massas de ar mais quentes e secas provenientes de latitudes subtropicais, levando a uma escassez de chuvas de verão durante o pico da estação das monções. Consequentemente, a região suportou períodos prolongados de secas severas.
Marengo descreveu os incêndios no Pantanal de 2019-2020: “Os incêndios causados, por um lado, pelo ar mais quente e pela falta de chuvas no Pantanal, e por outro, pela queima de áreas para limpar a vegetação para o gado pastar, resultaram em desastre ambiental”.
Steve Trent, fundador e CEO da Environmental Justice Foundation (EJF), comenta. “Embora grande parte da vida selvagem e dos ecossistemas do Pantanal tenham sido irrevogavelmente destruídos, ainda há tempo para resgatar o que resta. Temos feito campanha para que a UE alargue o âmbito da regulamentação sobre produtos livres de deflorestação. Isso para incluir ecossistemas preciosos para além das florestas, e proteger zonas úmidas como o Pantanal.
Devastação Total
“O desmatamento no Pantanal já está se acelerando, com 83% de uma categoria conhecida como “Outros Ecossistemas Naturais” desaparecendo entre 2020 e 2021 em comparação com o ano anterior. Regulamentações mais fortes da UE e do Brasil são cruciais para preservar o que resta do Pantanal.”
“Quanto do bioma precisamos perder para que o mundo veja o que está acontecendo? Em 2020, quase 30% do bioma Pantanal foi queimado. Viralizaram cenas de onças com as patas em carne viva, assim como a zombaria e o negacionismo do então presidente Jair Bolsonaro”, mencionou Leite.
“A sociedade civil organizada foi fundamental no combate aos incêndios, no resgate da fauna vitimada, no estabelecimento de pontos de abeberamento e alimentação para os animais que sobreviveram às chamas e enfrentaram a chamada ‘fome silenciosa’, atravessando paisagens dizimadas”, acrescentou.
Em 2020, os incêndios ceifaram a vida a mais de 17 milhões de vertebrados e libertaram 115,6 milhões de toneladas de CO2, excedendo as emissões de carbono da Bélgica nesse ano.
“Um dos fatores que contribuem para a rápida propagação do fogo é a perda de água superficial. Desde 1985, o Pantanal perdeu 74% de suas águas superficiais”, disse Leite.
Rodrigo Agostinho, presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), me contou sobre um dos problemas que afetam a região:
“O Pantanal enfrenta um conjunto de desafios, com suas terras enfrentando uma seca cada vez maior. A instalação de mais de 500 pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) na bacia do Alto Paraguai (dados de 2018), fonte hídrica crucial para a região, alterou o ritmo natural das águas, dificultando o enchimento da várzea.”
Problemas acumulados
“No Pantanal, áreas remotas específicas passam por rápidas transições de inundação para secagem rápida, num período de aproximadamente dois meses, levando a incêndios que impossibilitam o acesso a esses locais. As condições desafiadoras nestas regiões de difícil acesso complicam ainda mais uma gestão eficaz”, explicou Gomes sobre a sua experiência.
Alguns meteorologistas atribuem o aumento dos incêndios ao fenômeno El Niño, intensificado pelas alterações climáticas. No entanto, os criadores de gado que procuram expandir as pastagens, uma atividade econômica intensa no Pantanal, podem ter iniciado um número substancial destes incêndios.
De acordo com relatório da Environmental Justice Foundation (EJF), uma área total de 751.249,6 hectares de florestas, cerrados, pastagens e formações pantanais no Pantanal foram convertidas em pastagens entre 2010 e 2021. A população total estimada de bovinos no Pantanal brasileiro é de 3,8 milhões de animais.
Entre 2019 e 2022, uma área equivalente ao tamanho de Barcelona foi desmatada no Pantanal. Infelizmente, esta situação tende a piorar, agravada pelo El Niño, pelas alterações climáticas e pela expansão do agronegócio.
Aproximadamente 12% da vegetação nativa do Pantanal desapareceu devido ao crescimento da pecuária e das práticas agrícolas.
Agostinho mencionou: “Embora o Pantanal continue sendo o bioma mais conservado do Brasil, as taxas de desmatamento aumentaram. A umidade reduzida levou os proprietários de terras a transferirem os seus investimentos para a agricultura.
“As terras no Pantanal estão sendo vendidas a preços mais baixos em comparação com outras partes de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. Nas zonas mais úmidas, os proprietários estão direcionando os investimentos para esforços de drenagem para converter terras em áreas cultivadas”, acrescentou.
Steve Trent mencionou: “A carne que comemos, do Reino Unido à Itália, poderia ser fornecida pelos fazendeiros responsáveis por provocar esses incêndios destrutivos. Isto significa que a comunidade internacional tem a responsabilidade – mas também a capacidade – de impedir as queimadas do Pantanal. É hora de mais regulamentação, inclusive sobre direitos humanos obrigatórios e devida diligência ambiental, e melhorar e cumprir os compromissos climáticos internacionais.”
As comunidades locais e indígenas também sofrem, pois as suas terras foram completamente destruídas pelos incêndios. Pelo menos 90% da terra indígena Guató, localizada no oeste do estado de Mato Grosso do Sul, foi queimada pelas queimadas de 2020.
Este ano, os incêndios atingiram quintais de pousadas da região e muito próximos de comunidades ribeirinhas.
“Em abril, realizamos um amplo planejamento de prevenção e combate a incêndios no Pantanal, aumentando significativamente o numero de bombeiros. A combinação do El Niño e do aumento do aquecimento climático formou uma mistura explosiva. Sem os nossos preparativos proativos, a magnitude do desastre teria sido muito mais significativa”, referiu Agostinho.
“O Pantanal, com menos de 5% de sua área protegida, se destaca como um dos biomas que necessitam de Unidades de Conservação (UCs) de urgência. Em audiência de conciliação, realizada em março, foi expedido mandato para a Polícia Estadual de Educação Ambiental (PEEA) desenvolver um plano de gestão no prazo de 90 dias.
Conflito Político
A maior parte do Pantanal permanece sem proteção, designada como terras privadas, e carece de políticas direcionadas para combater o desmatamento associado à pecuária e à produção de soja. Em 2015, foi promulgado um decreto no estado de Mato Grosso do Sul, legalizando a pecuária dentro de Áreas de Proteção Permanente (APPs).
Em agosto de 2022, projeto de lei semelhante foi sancionado pelo estado de Mato Grosso, referendando a utilização de Áreas Protegidas Permanentes (APPs) e Reservas Legais (RLs) para a pecuária no bioma Pantanal.
“Também estamos testemunhando uma grave questão política centrada em uma disputa jurisdicional. Os bombeiros de Mato Grosso se comunicaram formalmente com o governo federal, expressando que seus esforços não eram bem-vindos. Consequentemente, 40% do Parque Estadual Encontro das Águas acabou em chamas e destruído”, disse Leite.
Gomes destacou suas preocupações: “Há uma necessidade imediata de um planejamento mais robusto e de maior colaboração entre os governos federal e estadual.A coordenação e cooperação entre órgãos, incluindo o Ibama, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Corpo de Bombeiros, devem ser ainda mais fortalecidas. Além disso, há necessidade de melhorias nas inspeções de campo, de conhecimentos especializados para identificar a causa raiz dos incêndios e da implementação de políticas de gestão abrangentes.”
Lobo Guará, ameaçado de extinção, no Pantanal. (Photo: Web)
Iniciativa de Prevenção de Incêndios
Liana O. Anderson, bióloga e pesquisadora do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), membro da Rede Pantanal de Pesquisa, compartilhou comigo algumas informações sobre alguns projetos interessantes focados na prevenção de incêndios.
O primeiro projeto é o Climate Science for Service Partnership (CSSP) Brasil, em colaboração com o MetOffice, cujos resultados estão disponíveis no site do VIEWpoint. Como um dos componentes deste projeto, desenvolveram uma probabilidade de incêndios com até três meses de antecedência, o que indica áreas prioritárias.
Serve como uma fonte valiosa de informações para orientar os esforços de planejamento para prevenir proativamente desastres causados por incêndios.
“Esse produto ajuda e mostra quando as condições tendem a piorar, desencadeando as mobilizações necessárias”, disse Liana.
Outro projeto interessante associado à prevenção de incêndios envolve o lançamento do livro educativo intitulado “É Fogo!”, destinado a profissionais da educação e adaptado a escolas, associações e organizações interessadas em desenvolver atividades relacionadas com a compreensão e prevenção dos riscos e impactos dos incêndios. Liana explicou:
“O objetivo principal é converter as instituições locais em mini “Cemadens”, servindo como pequenas unidades de pesquisa equipadas com metodologias científicas personalizadas para o público em geral. Estas unidades destinam-se especificamente a crianças e jovens, capacitando-os para a geração de dados e informações. Através deste processo, o objetivo é criar consciência, competências de autoproteção e capacidades reflexivas.
“Estou confiante de que essas ferramentas preventivas poderão reverter gradativamente os cenários de incêndios generalizados no país. Esses esforços são dedicados a educar e informar indivíduos e instituições, ao mesmo tempo gerar informações científicas para apoiar a tomada de decisões informadas”, acrescentou Liana.
Educar para prevenir o desastre
Marengo, coordenador geral de pesquisa do Cemaden, compartilhou seus insights por meio dos resultados de seus estudos. Ele mencionou que a expansão da agricultura, da pecuária, da pesca e do turismo deve seguir práticas sustentáveis para garantir a preservação do Pantanal. Se a atual trajetória das práticas climáticas e de gestão territorial continuar, o Pantanal correrá o risco de desaparecer.
Ele sugeriu que a adoção de políticas antiambientais pode exacerbar esta situação. Os profundos impactos das alterações climáticas são sentidos principalmente nos ecossistemas frágeis e nas comunidades mais empobrecidas do mundo.
Para evitar consequências catastróficas, é imperativa uma ação global urgente nas próximas décadas, exigindo mudanças drásticas até 2050, em alinhamento com os objetivos delineados no Acordo de Paris.
Eventos extremos de 2019 a 2022 são tema de artigo publicado na revista Nature
Nos últimos 30 anos, a América do Sul tem enfrenado uma contínua diminuição da água disponível na superfície. Essa seca é em parte explicada pelo aumento geral das temperaturas, que evapora a água e aumenta a transferência da superfície para a atmosfera. Essa tendência tem sido mais notória em zonas específicas do continente, como a região centro-oeste, onde se insere grande parte da bacia hidrográfica do rio La Plata, o Pantanal e parte do sudeste Brasileiro.
Nas últimas décadas, o volume de chuvas tem sido mais baixo nesta área em particular do continente. Essas recentes condições mais quentes e secas explicam uma diminuição contínua nos níveis de umidade do solo, particularmente após a década de 1990.
A região centro-oeste da América do Sul foi afetada entre os anos de 2019 e 2022 pelo episódio de seca mais severo desde que há observações e registos meteorológicos consistentes e robustos. O artigo “Combined large-scale tropical and subtropical forcing on the severe 2019–2022 drought in South America”, mostra que a ocorrência desse fenômeno faz parte da variabilidade natural do sistema climático. No entanto, a magnitude extrema e excepcional do evento está ligada às alterações climáticas. Ou seja, sem as tendências de aquecimento global das últimas décadas, os eventos de seca aconteceriam, mas seriam bem menos intensos.
O artigo demonstra ainda que os catastróficos incêndios de 2020 no bioma do Pantanal foram, em parte, produto destas condições extremas de seca, nomeadamente de períodos específicos onde os níveis de conteúdo de água no solo bateram valores mínimos nunca antes registados.
O recente episódio de La Niña, que se estendeu entre os anos de 2020 e de 2022, através de alterações profundas da dinâmica da atmosfera tropical, foi o principal responsável pela criação de condições meteorológicas ideais para um enfraquecimento do transporte de umidade esperado da bacia amazônica e, consequentemente, para níveis bastante inferiores ao esperado de chuvas na região centro-oeste da América do Sul.
O ano de 2020 testemunhou as condições mais críticas, com a ocorrência de vários episódios de seca repentina, particularmente durante os meses de março, abril, outubro, novembro e dezembro, quando muitas regiões experimentaram um ressecamento recorde do solo. O ano de 2022 assistiu a uma nova intensificação das condições de seca pré- estabelecidas, principalmente durante a primeira metade do ano e os últimos meses de novembro e dezembro.
Fica assim claro o papel conjunto e preponderante das alterações climáticas e da variabilidade natural na ocorrência deste tipo de eventos extremos, através de diferentes mecanismos atmosféricos acoplados, mas com distintas escalas temporais e espaciais. Como tal, para projetarmos corretamente a evolução futura de extremos de seca e/ou de calor, é necessário que os modelos climáticos sejam capazes de incorporar e modelar de forma satisfatória todos estes processos dinâmicos, simulando corretamente a sua sensibilidade às alterações climáticas bem como à variabilidade natural do sistema.
O trabalho dos pesquisadores contribui para a documentação detalhada da dinâmica atmosférica associada a eventos prolongados e intensos de seca na América do Sul, constituindo a primeira parte de um processo que na sua totalidade requer ainda a consideração e implementação destas evidências e resultados nos modelos climáticos. Só assim será possível garantir que as projeções de clima futuro se aproximarão o melhor possível da realidade observada.
Autores: João Lucas Geirinhas, investigador no Instituto Dom Luiz (IDL), Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), Lisboa, Portugal (jlgeirinhas@fc.ul.pt). Renata Libonati, Professora de Departamento de Meteorologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Leia o artigo completo aqui: Força tropical e subtropical combinada em grande escala na severa seca de 2019-2022 na América do Sul | npj Ciências Climáticas e Atmosféricas (nature.com)
Estudo brasileiro publicado na Public Health mostra como incêndios no Pantanal aumentaram internações por COVID-19 durante a pandemia
Um estudo brasileiro publicado esse mês na conceituada revista internacional Public Health investigou os efeitos da fumaça de incêndios florestais na saúde da população. Os resultados evidenciaram a relação direta dos incêndios de 2020 no Pantanal com o aumento das internações por COVID-19 na região durante a pandemia do coronavírus.
Em 2020, o Brasil enfrentava dois desafios simultâneos de saúde pública: incêndios florestais catastróficos e o aumento da mortalidade devido à pandemia do coronavírus (COVID-19). A fumaça desses incêndios contribui para gerar uma gama de poluentes atmosféricos, alguns deles conhecidos como material particulado fino, ou PM2,5, partículas de poeira muito finas suspensas no ar que têm cerca de 2,5 mícrons de diâmetro, ou 0,0025 milímetros.
Isso significa que são menores do que a areia da praia (que tem cerca de 90 mícrons), do que um fio de cabelo (com 50-70 mícrons) e ainda menores que o pólen das flores ou o mofo (menos de 10 mícrons), como mostra a imagem. A inalação dessas partículas, visíveis apenas com microscópio, representa riscos significativos para a saúde. Elas penetram profundamente nos pulmões, causando irritação dos olhos, garganta e sistema respiratório.
Estudo brasileiro publicado na Public Health mostra como incêndios no Pantanal aumentaram internações por COVID-19 durante a pandemia
Um estudo brasileiro publicado esse mês na conceituada revista internacional Public Health investigou os efeitos da fumaça de incêndios florestais na saúde da população. Os resultados evidenciaram a relação direta dos incêndios de 2020 no Pantanal com o aumento das internações por COVID-19 na região durante a pandemia do coronavírus.
Em 2020, o Brasil enfrentava dois desafios simultâneos de saúde pública: incêndios florestais catastróficos e o aumento da mortalidade devido à pandemia do coronavírus (COVID-19). A fumaça desses incêndios contribui para gerar uma gama de poluentes atmosféricos, alguns deles conhecidos como material particulado fino, ou PM2,5, partículas de poeira muito finas suspensas no ar que têm cerca de 2,5 mícrons de diâmetro, ou 0,0025 milímetros.
Isso significa que são menores do que a areia da praia (que tem cerca de 90 mícrons), do que um fio de cabelo (com 50-70 mícrons) e ainda menores que o pólen das flores ou o mofo (menos de 10 mícrons), como mostra a imagem. A inalação dessas partículas, visíveis apenas com microscópio, representa riscos significativos para a saúde. Elas penetram profundamente nos pulmões, causando irritação dos olhos, garganta e sistema respiratório.
Durante a pandemia, a exposição a uma elevada quantidade desses poluentes gerados pela maior série de incêndios na região do Pantanal brasileiro aumentou a gravidade das hospitalizações e a mortalidade associados à COVID-19. O estudo foi conduzido por seis universidades, Instituto Chico Mendes e o Programa de Pesquisa de Longa Duração (PELD) do Pantanal, que integram a Rede Pantanal de Pesquisa/MCTI.
Idosos e mais pobres são os mais atingidos
Utilizando dados extraídos de imagens de satélite, os cientistas mensuraram o material particulado, a chuva, a temperatura, os focos de incêndio e a área queimada em 17 municípios do Pantanal em 2020. Eles também levantaram o número de hospitalizações por COVID-19 no mesmo período, a partir da plataforma OpenDataSUS, do Ministério da Saúde.
Os resultados mostraram um aumento de 23% nas internações por COVID-19 em idosos durante os meses com maior concentração de material particulado. Nas regiões pantaneiras mais pobres (segundo o índice Gini, que mede a desigualdade de renda), o aumento foi de 18% nas internações.
A influência da condição socioeconômica destaca a desigualdade no acesso aos cuidados de saúde na região. Estima-se que mais de 15.000 pessoas vivam em áreas rurais do Pantanal, algumas isoladas nas várzeas ou fazendas, distantes de hospitais ou unidades de saúde, com pouco ou nenhum acesso à água tratada e saneamento. Nesta parcela,
estão as comunidades indígenas, cujo os casos de COVID-19 foram 136% mais numerosos e a taxa de mortalidade foi 110% superior à população em geral.
É urgente definir políticas públicas para eventos extremos
A interação entre fatores ambientais, socioeconômicos e de saúde mostrou a necessidade de integrar políticas públicas no combate aos eventos extremos e seus efeitos. Grandes incêndios, longos períodos de seca e calor extremo tendem a ser ainda mais frequentes com as mudanças climáticas e, por isso, criar e implementar estratégias de mitigação e adaptação é urgente e fundamental.
Camila Lorenz, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, é membro da Rede Pantanal de Pesquisa e uma das autoras do estudo. Ela explica que a preparação para a época de incêndios florestais precisa envolver as equipes de saúde e começar com muita antecedência, mesmo na ausência da COVID-19:
“Vimos que a fumaça proveniente dos incêndios está muito relacionada às internações, principalmente em populações mais vulneráveis como os idosos. É preciso antever os eventos de fogo em todos os setores e serviços públicos, para preparar adequadamente as ações e proteger as comunidades envolvidas. Além disso, se considerarmos que a fumaça pode viajar vários quilômetros e atingir outras localidades, é fundamental adequar uma estratégia articulada em nível nacional.”
Em visita ao Pantanal, pesquisadores fecharam parcerias com entidades ambientais. Lançamento está previsto para fevereiro.
No mês de novembro, pesquisadores do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN) e da Rede Pantanal estiveram em Campo Grande (MS), para discutir e organizar o lançamento do livro “É Fogo! Pantanal”, previsto para ocorrer em fevereiro de 2023.
Liana Anderson, Yara Araújo e João dos Reis se reuniram com diversas entidades, incluindo SOS Pantanal, Instituto Homem Pantaneiro, Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (SEMADESC), Corpo de Bombeiros, Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), Secretaria de Estado de Educação (SED), IMASUL, e professores das Escolas das Águas. Também visitaram a Escola Estadual Zumbi dos Palmares, na Comunidade Quilombola de Furnas do Dionísio, em Jaraguari (MS), destacando a importância da educação na conscientização ambiental.
Seguindo a estrutura bem-sucedida do livro “É Fogo! Amazônia”, produzido pela mesma equipe do CEMADEN, a nova publicação propõe um conjunto de atividades para a comunidade escolar e diversos atores envolvidos com a temática do fogo no Pantanal.
A obra não se limita a um guia prático. Acompanhada por um referencial teórico, busca traduzir o conhecimento científico sobre o fogo no bioma de maneira acessível, explicando detalhadamente como, onde e por que os incêndios ocorrem na região. Além disso, aborda temas como Manejo Integrado do Fogo, impactos na saúde e economia, e perspectivas futuras frente às mudanças climáticas.
O evento de lançamento do livro está sendo cuidadosamente planejado, com a realização de dois eventos, em Campo Grande e Corumbá. A programação incluirá atividades culturais, discussões, participações especiais e promete ser um marco na conscientização sobre a questão dos incêndios no Pantanal. Escrito a várias mãos, com a colaboração de diversos atores, o livro consolida o trabalho da Rede Pantanal, reunindo conhecimento científico e a realidade local em um produto acessível e de fácil aplicação para diferentes setores da sociedade.
Fonte: Rede Pantanal de Pesquisa MCTI