- fevereiro 14, 2017
Brasil desenvolve variedades resistentes à principal doença do arroz na Ásia
Acabam de ser validadas no Panamá as primeiras linhagens brasileiras de arroz resistentes à bactéria Xanthomonas oryzae pv. oryzae, principal patógeno que assola a cultura em vários países asiáticos e americanos. A doença ainda não foi registrada no Brasil. Os novos materiais foram desenvolvidos por meio de melhoramento genético preventivo, que estuda as doenças e pragas das principais espécies agrícolas antes que elas cheguem ao País. O trabalho foi executado pela Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (DF) e Embrapa Arroz e Feijão (GO), no âmbito do Programa Embrapa Labex-USA da Secretaria de Relações Internacionais (SRI), e contou com parceria do Instituto de Pesquisa Agropecuária do Panamá (IDIAP).
Com essa conquista, caso a doença seja detectada no Brasil, os agricultores já poderão contar com plantas resistentes tanto de arroz irrigado, plantado majoritariamente no Rio Grande do Sul, como de sequeiro, cultivado em vários outros estados brasileiros. As cultivares desenvolvidas são adaptadas às condições de plantio do Brasil. “Muitos consideram a Xanthomonas a principal ameaça da cultura do arroz. A bactéria já foi introduzida em países próximos ao Brasil como Equador, Colômbia e Venezuela e pode entrar no País a qualquer momento”, alerta o pesquisador responsável pelo trabalho, Márcio Elias Ferreira, do Programa Embrapa Labex-USA e lotado no Beltsville Agricultural Research Center, no estado de Maryland, Estados Unidos.
Para desenvolver os novos materiais, os pesquisadores acessaram o Banco de Germoplasma da Embrapa Arroz e Feijão, que abriga 27.000 variedades de arroz coletadas em todo o mundo. Eles identificaram três acessos, cada um contendo um gene de resistência à doença. “Nós selecionamos três genes de resistência de amplo espectro, ou seja, genes que promovem resistência simultânea a várias ‘raças’ de Xanthomonas. Os genes foram introduzidos em uma mesma variedade para desenvolver plantas resistentes a várias raças de Xanthomonas”, detalha o pesquisador Márcio Elias.
Uma das vantagens de se estudar preventivamente um patógeno quarentenário é conhecê-lo antecipadamente para saber como combatê-lo caso seja introduzido no País. “Quando uma doença de alto risco entra em um país, o impacto econômico imeditado é muito alto. Geralmente, demora-se muito para desenvolver os protocolos de avaliação de sintomas, conhecer a biologia do organismo, identificar os genes de resistência das plantas, executar os cruzamentos adequados, selecionar as plantas resistentes e desenvolver novas cultivares. São várias etapas, que exigem muito tempo. Trabalhar preventivamente diminui os custos e aumenta a eficiência do processo”, detalha o pesquisador, lembrando que mesmo a confirmação da identidade do organismo quarentenário pode ser demorada. “Muitas vezes temos de enviar amostras de plantas infectadas com a nova doença para especialistas no assunto em outro país para que tenhamos certeza de que se trata do mesmo organismo encontrado pela primeira vez no Brasil”, explica.
Com as novas variedades desenvolvidas, além de antecipar uma solução menos onerosa para um problema futuro da agricultura brasileira, o melhoramento preventivo também possui o importante papel de capacitar os cientistas a trabalharem com a doença ou praga com antecedência. Isto deixa a agricultura nacional muito mais preparada para enfrentar o problema quando ele enfim cruzar as fronteiras.
Paulo Hideo Rangel, melhorista de arroz da Embrapa Arroz e Feijão e corresponsável pelo projeto, ressalta a importância de se desenvolver materiais resistentes a pragas e doenças, adaptados às condições de plantio do País. “Muitas vezes busca-se combater uma doença importando uma variedade resistente desenvolvida por outro país. Via de regra, essas variedades não se adaptam às condições brasileiras e são pouco produtivas nas nossas condições”, conta o pesquisador, frisando que as novas cultivares desenvolvidas pela Embrapa são adaptadas ao Brasil e apresentam alta produtividade. Rangel, que é o coordenador do Banco de Germoplasma de Arroz, ressalta ainda a importância da conservação de variedades desse cereal para o futuro. “O melhoramento preventivo começa no Banco de Germoplasma. Os genes que procuramos estão conservados nas milhares de variedades que guardamos para uso presente e futuro no melhoramento de plantas”, conta.
Próximos passos
Os testes de resistência realizados no Panamá foram coordenados pelo melhorista Ismael Camargo e pelo fitopatólogo Felipe González, pesquisadores do IDIAP. Eles usaram isolados da bactéria que são comuns em lavouras de arroz naquele país. Após os resultados positivos obtidos na América Central, a equipe do projeto pretende testar os materiais também na Colômbia por meio de parceria com a Corporação Colombiana de Pesquisa Agropecuária (Corpoica). “Sabemos que nossas plantas são resistentes às raças da bactéria que estão no Panamá, agora vamos ver se apresentam desempenho semelhante em relação àquelas presentes na Colômbia. Queremos oferecer ao produtor brasileiro um material com grandes chances de resistir a um amplo leque de raças do patógeno, caso a doença seja detectada no País”, almeja Márcio Elias.
O desenvolvimento das variedades de arroz resistente à bactéria é feito por meio da técnica de retrocruzamento baseado em análise de DNA. Os cientistas acompanharam os genes transferidos de três fontes de resistência para variedades de arroz adaptadas ao Brasil analisando o DNA das sementes produzidas em várias gerações do programa de melhoramento. As novas linhagens possuem os genes de resistência a Xanthomonas e, ao mesmo tempo, são muito parecidas geneticamente a variedades que já são utilizadas nas lavouras brasileiras. “A análise de DNA facilita e torna mais rápida e eficiente a seleção das características já presentes em variedades de arroz plantadas por nossos agricultures, com o acréscimo dos genes de resistência à bactéria”, relata Márcio Elias.
Parceira internacional é fundamental
Fazer o melhoramento genético preventivo com foco em uma doença quarentenária exige parceria internacional, de acordo com o pesquisador da Embrapa. Para poder testar, desenvolver os materiais e mesmo estudar a doença é necessário a colaboração com cientistas de um país no qual o patógeno já esteja presente. “Não há como fazer melhoramento genético preventivo sem colaboração dos cientistas de outros países. Organismos quarentenários estão no exterior e os especialistas no assunto também. Por isso, uma das primeiras ações no trabalho de resistência a Xanthomonas foi assinar um acordo de cooperação entre a Embrapa e o IDIAP do Panamá. Recentemente, assinamos um acordo específico de colaboração científica em melhoramento preventivo com Serviço de Pesquisa Agropecuária dos Estados Unidos (ARS-USDA) para a realização de pesquisa similar com outras espécies agrícolas, como feijão, soja e videira”, ressalta Márcio Elias.
Márcio Elias Ferreira agora se dedica a desenvolver novas variedades de feijão-preto e feijão-carioca resistentes à bactéria quarentenária Pseudomonas syringae pv. phaseolicola, uma importante doença do feijoeiro em vários países. O trabalho já identificou três genes candidatos ao controle das nove raças conhecidas do patógeno. Essa fase da pesquisa deve durar dois anos e envolve a colaboração entre vários pesquisadores brasileiros e estadunidenses. A mesma abordagem está sendo aplicada para desenvolver variedades de soja resistentes ao pulgão Aphis glycines, praga que assola plantações nos Estados Unidos e que, felizmente, ainda não foi detectada no Brasil.
Gerar soluções para pragas e doenças que ainda não chegaram ao País é o meio mais eficaz e econômico de combater esses problemas, de acordo com o pesquisador. “Quando a ferrugem-da-soja chegou ao Brasil em 2001, o País não havia se preparado para a doença. Somente no primeiro ano de combate à enfermidade, foram gastos mais de 3,5 bilhões de dólares em medidas de controle, incluindo o uso de fungicidas. Estima-se que 25 bilhões de dólares foram gastos desde a introdução da ferrugem no Brasil. Medidas antecipadas, como o melhoramento genético preventivo, além de diminuir o impacto econômico também limitam o impacto ambiental, ao minimizar a aplicação de químicos para combater doenças ou pragas”, conclui.