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  • outubro 31, 2022

Cientistas propõem tecnologia feita com isopor para liberação controlada de fertilizantes na agricultura

Cientistas propõem tecnologia feita com isopor para liberação controlada de fertilizantes na agricultura
Isopor, amido, óleo da casca da laranja, enxofre e colágeno. Essa é a “receita” proposta em uma pesquisa de mestrado defendida no Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP, em parceria com a Embrapa Instrumentação, para criar um novo revestimento nanométrico que poderá promover a liberação controlada de fertilizantes na agricultura. Mais sustentável e barata que os materiais utilizados hoje em dia, a tecnologia poderá contribuir para reduzir os impactos ambientais dos produtos empregados atualmente, além de dar um destino mais nobre ao isopor, material de difícil descarte e que leva anos para se degradar na natureza.
O professor Wagner Luiz Polito do IQSC, orientador do trabalho, comentou sobre a importância do novo material: “A principal vantagem da proposta é aproveitar uma matéria-prima que gera impacto ambiental e que iria para o lixo. O isopor é uma espuma muito leve e ocupa bastante espaço, levando um século para ser dissolvido. Mas, na nossa pesquisa, usamos um solvente verde (óleo da casca da laranja) para diluí-lo, permitindo que ele seja aproveitado em um revestimento para nutrientes, como se fosse uma capa muito fina que envolve o fertilizante e não prejudica a natureza, pois se trata de uma fração muito pequena do material que não gera impactos negativos”, explica.

Segundo o docente, outro benefício da tecnologia proposta é o baixo custo em comparação com os revestimentos comerciais disponíveis atualmente, que são feitos a partir de derivados do petróleo e não são indicados para utilização em países tropicais, onde há chuva em abundância, por se degradarem com mais facilidade: “Vamos supor que a pessoa tenha uma pequena horta, ela conseguiria comprar esse novo revestimento com isopor por um preço muito menor porque estamos falando de um produto que seria jogado fora, então é uma forma inteligente de você reciclá-lo. A estimativa é de que o nosso revestimento seja cerca de 1000% mais barato que os tradicionais, além de não gerar o impacto ambiental da exploração de matérias-primas vindas do petróleo”, completa o professor, que orientou Diego Fernandes da Cruz, autor da dissertação.

A liberação controlada de fertilizantes com a utilização de revestimentos é necessária para atender à fisiologia da planta, que demanda quantidades constantes e específicas de nutrientes de acordo com cada fase de seu ciclo de vida. Os fertilizantes mais empregados para o desenvolvimento e sobrevivência de qualquer planta ou vegetal são, basicamente,  potássio, enxofre, nitrogênio e fósforo. No entanto, revestir um insumo para uso na agricultura não é simplesmente aplicar um filme sobre uma superfície, o material precisa ter a função de controlar a liberação de nutrientes de modo que eles sejam dispostos no solo de forma lenta e uniforme.“Não basta criar um revestimento só para proteger a planta, ele precisa ser “ativo”, gerar reações químicas que contribuam para a sua degradação uniforme. Além disso, seu  aproveitamento pela planta deve ocorrer respeitando os aspectos de equilíbrio nutricional e de fisiologia do reino vegetal. Essa “capa” deve se degradar aos poucos, tanto por ação de microorganismos como por reações químicas entre o nutriente e o revestimento. Esse processo permite que o fertilizante “vaze” de maneira controlada”, explica Polito.

Nos últimos anos, o aumento da utilização de insumos como fertilizantes minerais foi alavancada pela necessidade de atender a crescente de alimentos e de outras matérias-primas, como algodão e madeira. Esses nutrientes possibilitam um grande aumento na produtividade, mesmo em uma restrita área útil de plantação. Além da utilização de insumos, o aumento da produtividade também se deve ao uso correto desses fertilizantes e ao desenvolvimento de novos materiais para revestimentos, auxiliando no processo de liberação lenta ou controlada. Porém, os fertilizantes revestidos são mais caros e geram resistência por parte dos  agricultores, evidenciando a importância da pesquisa e criação de novos revestimentos com baixo custo que atendam as demandas de produção com sustentabilidade econômica.

Testes 
– A nova tecnologia proposta foi testada para revestir amostras de potássio, nutriente responsável pelo crescimento saudável do vegetal. Esse fertilizante auxilia no desenvolvimento de plantas e raízes e na retenção de água, aumentando a resistência em períodos de seca. Além disso, sem a sua presença, a planta fica mais suscetível a pragas e doenças. “O potássio é importante para praticamente todas as produções porque ele ajuda a realizar a formação de algumas proteínas que protegem as plantas e auxiliam seu sistema metabólico”, complementa Polito.

Durante a pesquisa, grãos de potássio revestidos com o material feito com o uso de isopor foram colocados dentro de recipientes com água. O objetivo foi avaliar se o material era capaz de reter o nutriente e estudar o comportamento do revestimento ao ser submerso. Os resultados mostraram que o filme obtido apresentou alta maleabilidade, plasticidade e forte resistência à água.

Quanto à liberação controlada do potássio, os dados também foram positivos: após 72 horas imerso, pelo menos 25% do fertilizante ainda estava retido junto ao revestimento e não havia sido liberado, comprovando a viabilidade da nova tecnologia para a função. Também foi constatado que o grão de potássio com o revestimento levou muito mais tempo para ser liberado totalmente em comparação com o nutriente não revestido. Agora, os próximos passos do estudo envolvem a realização de testes com outros tipos de nutrientes e a avaliação de desempenho do novo revestimento diretamente no solo. A expectativa é de que em até dois anos a nova tecnologia já esteja disponível no mercado.

O trabalho realizado por Diego, que teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), não foi o primeiro da área com participação da Embrapa Instrumentação. A parceria com o IQSC existe desde 2016, por meio da ligação do professor Polito com o pesquisador Cauê Ribeiro, e já rendeu até um prêmio internacional, o Scholar, conferido pelo Instituto Internacional Nutrição de Plantas (INPI), dos Estados Unidos, ao então doutorando do IQSC Ricardo Bortolettos. A honraria foi entregue pelo trabalho “Desenvolvimento e avaliação de sistemas poliméricos a base de óleos vegetais para a liberação controlada de ureia no campo”.

Diversos artigos científicos que são fruto da parceria também já foram publicados. Confira, abaixo, a relação completa dos trabalhos:

Preparation of Polyurethane Monolithic Resins and Modification with a Condensed Tannin-Yielding Self-Healing Property

Polyurethane nanocomposites can increase the release control in granulated fertilizers by controlling nutrient diffusion

Biodegradable oil-based polymeric coatings on urea fertilizer: N release kinetic transformations of urea in soil

Synergy between castor oil polyurethane/starch polymer coating and local acidification by A. niger for increasing the efficiency of nitrogen fertilization using urea granules

Oil-based polyurethane-coated urea reduces nitrous oxide emissions in a corn field in a Maryland loamy sand soil

Por Henrique Fontes, da Assessoria de Comunicação do IQSC/USP

 
 
Legendas e créditos das fotos
 
Foto 1: Foto microscópica do grão de potássio revestido pelo novo material. Foto: Diego Fernandes da Cruz
Foto 2: Revestimento proposto pelos cientistas. Foto: Diego Fernandes da Cruz
Foto 3: Efeitos da falta de potássio para as plantas. Foto: Dissertação de Mestrado de Diego/Divulgação
Foto 4: Esquema ilustra a liberação controlada de nutrientes a partir de um revestimento.

Fotos: Wagner Polito

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