- outubro 23, 2018
Guaíba, Rio ou Lago?
Hiram Reis e Silva, Bagé, RS, 23.10.2018
Desembarcou aqui como passageiro comum entre tantos que procuram a Terceira Margem do Rio entre o céu e a terra.
(NOGUEIRA)
Irmão Guaíba, navegando por tuas águas, afasto-me do mundo real e mergulho na tua essência mística, deixo o limitado pragmatismo de lado e penetro na tua fluidez infinita. Meu nível de consciência se altera, afastando de mim o cotidiano insano e permito que tuas ondas me conduzam a uma nova realidade materializada pelas tuas cálidas ondas que me arrastam. Uma estranha solidão invade meu íntimo e a onírica experiência faz com que assumas uma nova forma de vida. De repente, se estabelece uma relação única entre nós e, tu e eu, somos um só. Sinto como se regredíssemos ao útero da mãe Terra, um morno e profundo silêncio nos envolve e ao longe avistamos, por trás da bruma que se desfaz – a Terceira Margem.
Lei Federal N° 7.803 de 15 de agosto DE 1989
Art. 1° – As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem.
Parágrafo único. As ações ou omissões contrárias às disposições deste Código na utilização e exploração das florestas são consideradas uso nocivo da propriedade [art. 302, XI b, do Código de Processo Civil].
Art. 2° – Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
a) ao longo dos Rios ou de qualquer curso d’água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima seja:
1) de 30 [trinta] metros para os cursos d’água de menos de 10 [dez] metros de largura;
2) de 50 [cinquenta] metros para os cursos d’água que tenham 10 [dez] a 50 [cinquenta] metros de largura;
3) de 100 [cem] metros para os cursos d’água que tenham de [cinquenta] a 200 [duzentos] metros de largura;
4) de 200 [duzentos] metros para os cursos d’água que tenham 200 [duzentos] a 600 [seiscentos] metros de largura;
5) de 500 [quinhentos] metros para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 [seiscentos] metros;
b. ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d’água naturais ou artificiais;
c. nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados “olhos d’água”, qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 [cinquenta] metros de largura;
d. no topo de morros, montes, montanhas e serras;
e. nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive;
f. nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;
g. nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 [cem] metros em projeções horizontais;
h. em altitude superior a 1.800 [mil e oitocentos] metros, qualquer que seja a vegetação.
Parágrafo único. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, observar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo.
Geraldo Knippling
O Comandante Knippling, velejador, escritor, cartógrafo, ex-Comandante da Varig, conhece, profundamente, os segredos das águas do Guaíba e Laguna dos Patos.
O autor de “O Guaíba e a Lagoa dos Patos” e “Descobrindo o Guaíba”, fez considerações importantes e, mais do que nunca, atuais no seu artigo: “Guaíba, Rio e não Lago” – editado no site “popa.com.br” em dezembro de 2003.
Knippling lança um alerta veemente sobre o interesse imobiliário que procura se sobrepor, de qualquer maneira, através de artifícios legais, às questões ambientais:
A atual controvérsia sobre o topônimo “Rio” ou “Lago” poderia ser inócua se, por trás dessa desprezível divergência, não se escondesse ardilosa manobra para a especulação imobiliária.
Com o Guaíba “Rio”, há restrições para o uso indiscriminado da orla. São 500 metros de proteção ambiental, de acordo à Lei Federal 7803, que regula as áreas de proteção permanente. Então, de forma ilegal, o chamaram de “Lago”, onde a proteção ambiental não vai além de 50 metros.
Se for “Lago”, não se aplicam as normas de proteção da mata ciliar dos Rios, de 500 m. Mas o Guaíba é Rio.
Os compêndios de geografia têm definições claras sobre os corpos d’água, que não se podem mudar para enquadrar detalhes subjetivos e alterar o significado.
O Guaíba é Rio por se deslocar de nível mais elevado para nível mais baixo, aumentando de volume até desaguar no Mar, num lago ou noutro Rio. Pouco importa se preenche uma falha do maciço granítico, de formação tectônica ou não.
Segundo os conceitos vigentes, “lago é uma extensão de água cercada de terras” e o Guaíba não é nada disso, a não ser que se construa uma represa em Itapuã.
Também são falsos os argumentos de que o “Lago” seria formado “pela barragem natural da península da Faxina”.
Lá não há qualquer barragem. É só uma área de menor profundidade, como parte do leito do Rio, sobre a qual fluem livres as águas. (Geraldo Knippling)
E entrou Jesus no templo de Deus, e expulsou todos os que vendiam e compravam no templo, e derribou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas; e disse-lhes: Está escrito: A minha casa será chamada casa de oração; mas vós a tendes convertido em covil de ladrões.
(Jo 2: 13-25; Mc 11: 15-19; Mt 21: 12-13; Lu 19: 45-49)
Os gananciosos empresários e políticos que desconhecem teu encanto, tua serenidade e visam tão somente a interesses econômicos estão preocupados em alterar tua classificação para te corromper e te agredir ainda mais através da especulação imobiliária. Já começaram os trabalhos para a construção do “Parque do Pontal”, um mega complexo imobiliário que será implementado na área do antigo Estaleiro Só, uma região privilegiada à beira do Guaíba. O projeto prevê a construção de um shopping center, uma torre comercial, hotel e hub de saúde, um centro de eventos e torre de escritórios, um total de 41.519 m2 de área construída.
Somente aqueles que te trazem no coração, que te consideram uma obra do Grande Arquiteto do Universo – um santuário, somente aqueles que compreendem tua história e teu destino são capazes de vislumbrar as maquiavélicas intenções destes vendilhões que mercadejam vilmente procurando abalar as colunas do teu sagrado templo. Comento, com alguns diletos amigos, que não treino no Guaíba, mas que treino contigo, Guaíba. Com o passar do tempo, fui te conhecendo, amando e respeitando cada vez mais. Foste meu Mestre Amado nas horas difíceis em que eu tentava, com dificuldade, não naufragar na depressão e no desalento.
Nas tuas águas, afogo meus desesperares, meus desencantos, meus desamores. No aconchegante embalo de tuas ondas, encontrei forças para perseverar e enfrentar minhas angústias e meu desânimo. Tua imensidão me abraça e conforta, tuas tranquilas águas me acalmam. Tua suave brisa insufla nos meus pulmões a mais bela e pura energia e me aproxima, cada vez mais, da Terceira Margem.
Tuas águas revoltas mostram a rota da humildade que devo seguir e a névoa que te cobre nas manhãs de inverno trazem sinais de esperança nos horizontes que aos poucos se revelam. Sinto tua falta como do ar que penetra em meus pulmões e oxigena meu sangue. Nas inúmeras rotas em que me acompanhaste, foste um fiel e silente parceiro. A afinidade que nos irmana dispensa palavras, não precisa, absolutamente, delas.
Aprendi contigo a interpretar os sinais da natureza, a me deixar levar pelos ventos e pelas ondas, a mergulhar na tua memória ancestral e dela recolher fragmentos da sabedoria dos tempos. Tuas belas Ilhas e praias estarão sempre registradas na minha retina, os momentos de puro êxtase que, juntos, experimentamos permanecerão gravados eternamente na minha memória. Só aqueles que trazem na alma o amor pela natureza talvez entendam o sentimento que me invade, quando navego pelas tuas águas infindas. Sejam capazes de entender a estranha energia que me invade e revigora e a sensação mágica que toma conta de minha alma como se eu estivesse entrando, sozinho, em um recinto misterioso e sagrado. Que o Grande Arquiteto não permita que os vendilhões triunfem.
Nos meus livros e, em todos os artigos que eu escrever, vou me referir sempre a ti como Rio, com letras maiúsculas mesmo, como merecem ser reconhecidos aqueles que são únicos. Uma justa reverência àquele que empresta, diuturnamente, sua ternura e sua beleza aos nossos dias apesar do tratamento repulsivo e antinatural que lhe dispensamos.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com;
Blog: desafiandooriomar.blogspot.com.br
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