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  • outubro 9, 2017

Epopeia Acreana – Parte V

 Xapuri, AC – Rio Branco, AC

Hiram Reis e Silva, Xapuri, AC, 05 de outubro de 2017.

 

O Boto Cor de Rosa

 (Hull de La Fuente)

Tua pele é cor de rosa,

Como da rosa em botão,

Contou-se estórias gloriosas

De sua grande sedução. […]

 

14.09.2017 – Partindo de Xapuri

 

Acordei às 04h22. Partimos, eu e os diletos amigos Bombeiros Militares, Sd BM Valderli, Sd BM Adélcio e Sd BM Antônio, para a rampa de acesso à balsa da Sibéria às 04h50. Descarregamos o caiaque e comecei logo o aprestamento do mesmo. Estávamos tirando uma foto da equipe quando surgiu o repórter Cássio da TV Acre. Informei-lhe do que se tratava e ele prontamente fez algumas anotações a respeito da minha jornada. Quem sabe em Rio Branco possamos contar com o apoio da mídia?

 

A jornada foi tranquila até às 11h00 quando a canícula começou a castigar meu corpo e minha vontade. Foi exatamente nessa hora que comecei a ouvir alguns movimentos na àgua e uns bufos bastante conhecidos (10°37’23,1”S / 68°21’35,7”O) dos meus amigos botos vermelhos. Aportei e fiquei assobiando procurando identificar quantos eram. Eram apenas três jovens botos, continuei minha descida acompanhado, durante uns 25 minutos, pelos gentis animaizinhos. Momentaneamente esquecera do desconforto proporcionado pelo Sol abrasador e a dor nas costas. Estava remando há quase seis horas.

 

O local que eu determinara para acampar estava próximo e comecei a prestar a atenção nas alternativas que se apresentavam – proximidade de moradias, margens baixas e arenosas e, sobretudo uma sombra para montar a barraca. Nenhum deles atendia a todos estes requisitos e acabei acampando no local programado (AC 04 – 10°35’36,96” S 68°16’02,84” O) onde cada um dos itens especificados fora contemplado. Montei a barraca, na sombra de um pequeno arbusto puxei o caiaque para o barranco e amarrei-o em um tronco. Tentei contato telefônico subindo o barranco mais alto e nada. Estava voltando para tomar um revigorante banho de Rio quando avistei meus queridos amigos botos brincando a poucos metros da margem em que me encontrava que após algumas sutis e pouco audaciosas piruetas partiram. Noite tranquila e sem ruídos estranhos.

 

15.09.2017 – AC 04 ao AC 05

 

Parti às 05h40. Uma fina névoa encobria tudo. Em princípio era um tiro curto de 51 km até o local que eu marcara para acampar. A chuvinha fina da noite anterior não comprometera meu sono, pelo contrário, refrescara o ambiente e a noite foi muito agradável.

 

Novamente as borboletas pousavam no caiaque ávidas pela água e pelo sal. Os jacarés, desde que parti de Xapuri, apareciam em maior número e cada vez mais displicentes. Atiravam-se das barrancas e troncos na água logo que o caiaque se aproximava por demais deles ou submergiam preguiçosamente ao passar por demais perto deles.

 

Cheguei antes do meio-dia ao local que marcara como próprio para acampamento. As margens eram adequadas, mas de um barro muito pegajoso. Resolvi seguir em frente. Um belo boto vermelho macho de quase dois metros sinalizou um local favorável e montei o acampamento 5 km a jusante (AC 05a – 10°20’57,4” S / 67°52’29,7” O). Coloquei a barraca para secar enquanto me refrescava nas águas do Acre. Montei a barraca, colocando, previdentemente um saco de 100 litros cortado e estendido sob a lojinha da barraca, coloquei a tralha de dormir e material eletrônico dentro dela está estava enchendo o colchão inflável quando chegou um forte temporal. Fiquei do lado de fora segurando os estais até o vento e a chuva pararem. Sequei a barraca, não entrou muita água, graças ao saco plástico improvisado. Terminei de inflar o colchão, fiz alguns exercícios aeróbicos, sequei o caiaque, tomei meus remédios e vitaminas, recalculei as próximas metas e me preparei para mais uma noite.

 

16.09.2017 – AC 05a ao AC 06a

 

Por volta das 03h00 da manhã começou a relampejar. Estava muito escuro, lua minguante encoberta pelas nuvens. Tentei dormir, mas por volta das 04h00, como o tempo ainda estivesse estranho resolvi preparar minha partida antes que começasse a chover e atrapalhasse tudo.

 

Precisava sair cedo, a jornada era longa (mais de 70 km), resolvera suprimir o pernoite no AC 06 para abordar Rio Branco em apenas quatro dias e não cinco como planejara inicialmente.

 

A manhã foi por demais agradável, a chuva torrencial de ontem criara uma névoa protetora contra os tenebrosos raios solares tropicais e uma brisa fresca soprou até às 10h00 proporcionando uma navegação amena e relaxante.

 

Estava apreciando a paisagem quando observei a uns 300 m um curioso tronco sendo levado pela torrente. Não prestei muita atenção ao mesmo, pois era um fato corriqueiro nestas paragens, mas, quando avistei novamente o tal “tronco” notei que o mesmo não acompanhava a correnteza, mas se deslocava perpendicularmente a ela. Foi só então que me apercebi se tratar de uma jovem lontra, com a cabeça, o dorso e a ponta do rabo para fora d’água. Só então procurei sacar minha máquina fotográfica que estava na caixa à prova d’água. Neste ínterim o afoito animalzinho chegara na margem direita e tentou subir em um paredão vertical de arenito por duas vezes sem sucesso  caindo n’àgua desajeitadamente em cada uma das tentativas. Quando me preparei para fotografar a lontrinha já havia mergulhado e desapareceu sem deixar vestígios.

 

Por volta das 14h30, aportei a 500 m a montante (AC 06a – 10°10’48,2” S / 67°48’18,8”O) do AC 06. Um ribeirinho, dono da plantação de melancias, ficou conversando por uma hora contando sua história de vida e os efeitos da “alagação” de 2015. Mostrou-me sua plantação de bananeiras e feijão de corda. As melancias estavam passadas e não valiam mais nada, o preço oferecido pelos atravessadores de 2 reais por unidade, não compensava o transporte e toda a plantação estava se deteriorando.

 

Consegui contato com o 7° BEC e familiares pelo WhatsApp informando a hora prevista de minha chegada a Rio Branco, Acre, onde pretendo recompor as energias durante três dias para depois seguir para a última etapa até Porto Acre, AC, e Boca do Acre, AM.

 

17.09.2017 – AC 06a – Rio Branco.

 

Foi uma noite calma, sem ruídos estranhos ou relâmpagos. Por volta das 22h00, a temperatura caiu o suficiente para que eu vestisse a minha gandola e fizesse uso do saco de dormir.

 

A imagem de meu amigo ribeirinho colhendo os cachos de banana de barco, na alagação de 2015, volta e meia retornavam à minha mente. Ele gentilmente convidara-me para jantar com sua família e eu agradecera o convite. Minha dieta durante a navegação foi restringida a bananas e castanhas. A ingestão de proteínas ficou limitada aos locais de repouso – Epitaciolândia, Xapuri e Rio Branco.

 

Dormi bem. Às 04h00 o despertador tocou e iniciei a arrumação das tralhas no interior da barraca. Era um processo mecânico, automatizado mesmo, mas que precisava ser meticulosamente executado já que a escuridão fora era total. A lua minguante encabulada escondia-se por detrás das poucas nuvens que embuçavam o céu.

 

Parti às 04h45. Uma brisa fresca convidava-me a picar a voga. Recusei a oferta e parti no meu costumeiro ritmo cadenciado aquecendo progressivamente a musculatura antes de forçar o ritmo. Estava de calção e camiseta fina de meia manga, enquanto os ribeirinhos portavam roupas bem mais pesadas. Durante a jornada recebi uma mensagem do Major Luciano Flávio informando o local em que estaria me esperando (Gameleira – Rio Branco – 09°58’38,1” S / 67°48’27,8”O) com o pessoal de apoio. Na hora, não atentei para o detalhe do mapa e achei que o mesmo ficava à jusante das três pontes.

 

A viagem foi tranquila, o meu destino ficava a apenas 47 km. Chamava a atenção a grande quantidade de dragas ao longo do Rio. Quando estava próximo das três pontes um enorme boto vermelho, me fez volver a vista para a margem direita e avistar o Major Lúcio Flávio que me aguardava na Gameleira. Felizmente o Major também viu o meu amigo boto para não acharem que estou inventando. Fui transportado e devidamente alojado no Hotel de Trânsito do 7 BEC, onde permanecerei até quarta-feira.

 

A programação é chegar sexta-feira (22) em Porto Acre, onde, se tiver apoio da Prefeitura, permanecerei um dia, partir domingo (24) para a Boca do Acre onde deverei aportar terça-feira (26), permanecer lá um dia, apoiado pela Marinha do Brasil e Prefeitura local até ser resgatado pelo 7 BEC (28).

 

Vídeos da Epopeia Acreana – Assis Brasil, AC / Boca do Acre, AM 

Parte I:   https://youtu.be/2jYSjm2Q_A0

Parte II:  https://youtu.be/_S4a2TsKMPA

R. Globo: https://www.youtube.com/watch?v=aXoFphkU7Zo&t=24s 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

Sócio Correspondente da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER)

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS);

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

E-mail: hiramrsilva@gmail.com;

Blog: desafiandooriomar.blogspot.com.br

 

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