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  • outubro 9, 2017

O Assassinato de Chico Mendes

Hiram Reis e Silva, Rio Branco, AC, 12 de outubro de 2017.

Entrevista, bastante sucinta, com o 3° Sgt PM Roldão Lucas da Cruz, em Xapuri:

Meu nome é Roldão Lucas da Cruz, eu sou 3° Sargento da Polícia Militar e era, na época, um dos três policiais militares que faziam a segurança do Chico Mendes e quando o mataram eu estava ao lado dele. A gente só fazia a segurança do Chico Mendes quando ele saia da cidade, nos seus deslocamentos, quando ele estava em Xapuri nós não fazíamos a segurança dele. No dia em que ele foi assassinado, ele tinha nos convidado para comer um peixe na casa dele, quando tudo aconteceu. Como o banheiro era separado da casa, no fundo do quintal que estava escuro o cara atirou nele assim que ele abriu a porta, vindo a óbito.O escritor Zuenir Ventura, no seu livro “Chico Mendes Crime e Castigo”, editado pela Companhia de Letras, em 2003, conta com mais detalhes o evento ocorrido no dia 22.12.1988:

O Tiro que foi Ouvido no Mundo Todo

No dia em que Chico Mendes ia morrer, 22 de dezembro de 1988, Ilzamar Mendes queria assistir à morte de Odete Roitman. Durante aqueles últimos oito meses, o Brasil parava às 08h30 da noite – 06h30 no Acre – para se revoltar com as maldades da megera sem escrúpulos e sem caráter que se transformara no símbolo de um país que terminava o ano com 900% de inflação, o naufrágio do Bateau Mouche e uma sensação de impunidade generalizada – um país do vale Tudo, como sugeria o título da novela da TV Globo de que a Odete era vilã.

Se soubesse que a morte anunciada para aquela noite só iria ocorrer na verdade dois dias depois, quase na hora da ceia de natal, Ilzamar não se apressaria tanto em interromper o jogo de dominó entre o marido Chico Mendes e os seus seguranças, o Cabo Roldão e o Soldado Lucas. Os três, sentados nos banquinhos da mesa retangular da cozinha, coberta de fórmica, jogavam desde as cinco da tarde, assistidos por D. Maria Rocha, amiga do casal Mendes.

Ilzamar aproximou-se da mesa e disse: “vocês me desculpem, mas vou servir o jantar agora, já são seis e meia e tá na hora da novela e hoje ninguém me faz perder esse capítulo”. Eles sabiam que aquele capítulo, o 191, ela e outros 60 milhões de brasileiros não queriam perder. Chico ainda pediu “um minutinho” – que foi o tempo para o Cabo Roldão ganhar aquela rodada. Em seguida, desfez o jogo, mandou que os companheiros fossem comendo – feijão, arroz e peixe – e chamou Ilzamar ao quarto: “vou tomar banho e quero a toalha nova, aquela que ganhei no aniversário”. Ela achou esquisito, com tanta toalha usada e ele pedir logo a nova, a que tinha ganhado no dia 15. Justo ele que não ligava para essas coisas. “Eu, heim”, pensou Ilzamar, mas a pressa na hora era maior que a curiosidade. Que ele estreasse o presente, contanto que a deixasse livre para a novela.

Com a toalha sobre o ombro direito como tinha mania de fazer, Chico partiu em direção ao banheiro, do lado de fora da casa, a uns três metros da porta da cozinha que se desce quase aos saltos, através de três degraus desiguais, toscos, numa altura de oitenta centímetros. Não resistindo aos apelos de Sandino, de dois anos, que correndo atrás pedia para ir também. Chico pegou o menino no colo, foi até a porta, que se abria de dentro para fora, da esquerda para a direita, puxou o ferrolho, entreabriu-a rapidamente, assustou-se com a escuridão e voltou para pegar a lanterna.

Do lado de fora, atrás do coqueiro, a uma distância de 8,2 metros da entrada da cozinha, Darcy Alves Pereira não chegou a perceber o rápido abrir e fechar da porta. Não estava ali há muito tempo, uns quinze, vinte minutos. Sem relógio, ele só pôde calcular o tempo quando fez a reconstituição do crime porque se lembrou de que, ao entrar para a tocaia, ouviu o sino da igreja tocar. Haveria uma missa de formatura de oitava série às 19h30 e, nesses casos, como informou o seminarista Miguel da Rocha Rodrigues no seu depoimento no dia 01.01.1989, era costume o sino dar uma primeira chamada às 18h30. A segunda era às 19h00 e a última às 19h15. Com essas informações os peritos calcularam a hora do crime: 18h45.

Enquanto Darcy espreitava na tocaia, Chico voltava, com Sandino no colo, para apanhar a lanterna, dizendo: “Amanhã boto uma luz nesse quintal”. Foi quando Ilzamar se lembrou da gripe do filho.

– Num pode levar, não, o menino tá gripado, Chico!

– Ah, deixa ir, o bichinho tá querendo.

Mas Ilzamar não abriu mão: “Além do mais, ele tem que jantar”. Arrancou o menino do braço direito do pai – o braço que daí a pouco seria perfurado por dezoito grãos de chumbo – e foi dar-lhe de comer na sala em frente à televisão. Já estava sentada, quando ouviu a explosão.

“Foi um estouro, um tiro tão violento que estremeceu a casa”, não se esquecerá nunca Ilzamar. Ouviu a “zoada”, mas não sabia de onde vinha. Chegou a ficar zonza. Correu então à janela, mas não viu ninguém: a rua vazia, a delegacia quase em frente, a sessenta passos, incompreensivelmente quieta. Os dois policiais sentados em cadeiras na calçada, impassíveis, davam a suspeita impressão de que só eles não tinham ouvido o tiro.

Nesse momento Ilzamar teve um pressentimento: “O Chico tá no banheiro e atiraram nele”. 

Uma fração de segundo foi suficiente para que do pressentimento ela passasse à certeza de que aquele estouro, fosse o que fosse, tinha como alvo o marido. Saiu correndo com Sandino no colo, pelo corredor que leva à cozinha, e nessa corrida ainda sofreu o esbarrão do Soldado Lucas, que gritava: “Atiraram no Chico!”.

Estranhamente, ele corria na direção contrária, rumo à rua – não em direção ao homem cuja vida tinha por tarefa proteger nem em direção ao quintal de onde o pistoleiro tinha atirado. Por ordem do Cabo Roldão, o Soldado ia ao quartel da PM pegar uma metralhadora. Os dois estavam armados de revólver, mas, soube-se depois, com pouca munição.

Ao chegar à porta do quarto, Ilzamar viu o marido cambaleando, tentando se agarrar em alguma coisa, caindo. O sangue que cobria seu peito não deixava dúvida quanto à extensão do ferimento. Além das dezoito perfurações no braço, ele fora atingido no peito direito por 42 grãos de chumbo. “Me acertaram”, gemeu.

“Ele vinha com as mãos na cabeça, todo vermelho de sangue”, relembra Ilzamar. “Quando eu quis pegar no seu braço ele caiu e ficou se debatendo. Aí vi que estava morrendo”. A filha, então com quatro anos, só conseguia gritar: “Mamãe, socorre o papai, ele tá sujo de sangue!”.

Ilzamar abraçou-se com o marido, puxou-o para dentro do quarto e saiu gritando por socorro. Ela temia que, em vez de correr pelo mato, como fizeram, o pistoleiro ou pistoleiros subissem a escada da cozinha para acabar de liquidar com o marido e toda a família, ela e os dois filhos. 

“Ele queria dizer alguma coisa, mas não conseguia”, recorda quase dois anos depois Elenira, que ficou agarrada ao pai, esperando em vão que ele dissesse o que queria. “Ele olhava para mim, mexia com a boca, mas não saia nada”. (VENTURA)

 Genésio Ferreira da Silva tinha apenas 13 anos de idade quando testemunhou, na fazenda de Darly Alves da Silva, o seu patrão planejar o atentado à vida de Chico Mendes. No dia seguinte ao assassinato, Genésio foi detido pela polícia e encarcerado na Delegacia de Xapuri. Interrogado pelo Tenente PM H. Neto e pelo delegado Nilson Oliveira, com a anuência de sua mãe Marina, denunciou Darly e os demais envolvidos no crime. Com a vida ameaçada e sem destino foi adotado pelo jornalista Zuenir Ventura. Em 1990 retornou ao Acre para o julgamento. Genésio transformou sua sina em livro chamado “Pássaro sem rumo – Uma Amazônia chamada Genésio,” editado pela Editora do Instituto Vladimir Herzog, em 2015. Genésio relata:

No dia 21 daquele mês, Darly, Darci e Serginho acertaram os últimos detalhes para assassiná-lo. Tudo que eles conversaram na varanda da casa e na mesa de sempre, eu escutei naquela noite. A conversa que eu ouvi entre os três foi a seguinte:

– E aí, já está tudo pronto pra dar fim na vida do Chico?

– Já sim senhor, disse Serginho ao Darly

– E a tocaia, foi bem planejada como eu pedi? – perguntou Darly ao Darcy.

– Está tudo do jeito que o senhor pediu.

– E a arma, já testaram? – perguntou Darly aos dois.

– Já, só tem um detalhe.

– Qual? – Ainda não sabemos quem vai atirar ou não.

Darli:

– Aí vocês resolvem entre vocês, porque minha parte já está pronta. Só lembro uma coisa: se algo der errado, nós estamos fritos […]

Ao chegarem da tocaia, Darcy e Serginho disseram: “O serviço está pronto”. Aí eles foram comemorar. Na mesma noite, Darcy pegou o Saveiro e partiu em direção a Rio Branco, mas já era tarde, ele não conseguiu passar pela barreira que a polícia montou no trevo de Senador Guiomar para Rio Branco. Tentou passar, mas a polícia atirou no pneu do carro e o prenderam. Enquanto isso, Darly, Serginho, Alvarino e outros foram se esconder no mato. (SILVA)

Fontes:

SILVA, Genésio Ferreira da. Pássaro sem Rumo – Uma Amazônia Chamada Genésio –  Brasil – São Paulo – Editora do Instituto Vladimir Herzog, 2015.

VENTURA, Zuenir. Chico Mendes: Crime e Castigo – Brasil – São Paulo – Companhia das Letras, 2003.

 Vídeos da Epopeia Acreana – Assis Brasil, AC / Boca do Acre, AM

Parte I:   https://youtu.be/2jYSjm2Q_A0

Parte II:  https://youtu.be/_S4a2TsKMPA

R. Globo: https://www.youtube.com/watch?v=aXoFphkU7Zo&t=24s

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

Sócio Correspondente da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER)

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS);

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

E-mail: hiramrsilva@gmail.com;

Blog: desafiandooriomar.blogspot.com.br 

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