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  • maio 4, 2017

Dr. Francisco Cavalcante Mangabeira – Parte VI

 Hiram Reis e Silva, Porto Alegre, RS, 04 de maio de 2017.

Resignação e Descrença

(Mangabeira, 1906)

 

Olha: a felicidade é um anjo vagabundo,
Que, nem mesmo no amor, palpita e se agasalha…
E, se vive por sobre a vastidão do mundo,
É nos ninhos em flor e nas casas de palha…

Dali por diante o sucesso da vida do nume (gênio) foi o de todos os grandes vates (poetas): em luta com a sorte, em desafio com o amor, arrebatando-se com os sonhos de glória, nos braços da morte, que, para Francisco Mangabeira, foi prematura. Diplomado em medicina, os seus últimos dias foi perde-los na Amazônia. Fernando Caldas faz a história da vida do poeta sinteticamente:

Terminada, enfim, a guerra, se tal nome deve dar-se à peleja de irmãos, voltou à cidade do Salvador, depois de ter presenciado por um atavismo da infâmia a degradação de um Arraial à fase lamentosa de escombros, reduzido à tapera pelo incêndio que a tudo, derrocava, amalgamando num montão de ruínas alicerces e habitadores! Aqui permaneceu até o ano de 1900, em que se doutorou em medicina, partindo logo empós (após), para o Estado do Maranhão, contratado médico da Companhia Maranhense, Estado em que ficou alguns meses, dirigindo-se depois, para o Amazonas.

Daquele, mandou-nos uma carta onde transpareciam incisivamente, lembranças nostálgicas da Bahia, e onde contava a sua vizinhança com Gonçalves Dias. Chegado a Manaus, leve de lutar, materialmente, pela vida; percorre vários pontos em Comissão do governo do Estado, sempre trabalhando nos misteres da luta que empenhou, voltando ao torrão natal em dezembro de 1902, e aqui permanecendo até março de 1903, época em que parte novamente para o Amazonas com destino ao Acre no elevado cargo de representante do Diário de Notícias.

De fato, lá chegou, e onde mais do que nunca, foram grandiosíssimos os seus consagramentos pela soldadesca desprovida de médicos e farta de moléstias. Ainda em caminho, serviu espontaneamente, e gratuitamente, ao desfalcado 40° Batalhão. Lá sortiu ser secretário da revolução, compondo para apoteose daqueles vendeanos (habitantes locais) ignorados o formoso hino acreano. Prodigalizando novas seivas a organismos depauperados, foi, pouco a pouco, enfraquecendo o seu, naquele clima enfermiço e cheio de impaludismo, até que apanhou a desgraçada polinevrite (polineurite), que o tinha de roubar à glória da pátria e ao aconchego do lar e dos amigos.

A felicidade, fugindo ao encontro material do poeta, surtia em cavalgada das Valquírias… Tanto mais longe se punha quanto mais próximo dela se sentia o vate… E assim tombou ele como um Sol de oiro (ouro), num leito de lençóis sanguíneos, na fimbria do horizonte oceânico… A sua passagem pelo Acre, como por toda a parte, captou mais do que amizades, porque captou dedicações… Ali assomou como um leão de farta juba, no promontório da serra, descalvada (sem vegetação), olhando arguto as cercanias e desferindo o seu grande grito de alerta, no pomposo hino acreano, em que o patriotismo não consegue abafar a inspiração do nume. Múcio Teixeira confirma o êxito do homem no meio político do extremo Norte:

E mais tarde, convidado pelo Coronel Plácido de Castro para dirigir o Corpo de Saúde do seu exército na guerra contra a Bolívia, não vacilou em aceitar a temerária incumbência, afrontando simultaneamente as ameaças climatéricas da pestífera região do Acre, temeridade que lhe custou a preciosa existência, morrendo em consequência do veneno paludoso, expirando em pleno mar, quando regressava, com a esperança de exalar o último suspiro no seio da família.

Foi o trágico da vida na epopeia vivida da poesia: o poeta vencido pelo homem, depois de iterativas derrotas na existência. Mas, a memória dos companheiros reteve graves iluminuras (letras capitulares dos manuscritos medievais) a que atingiu o poeta do Hostiário. Xavier Marques, de quem Francisco, ultimamente na vida, esteve muito próximo, através de Octavio Mangabeira, que se iniciava intelectualmente ao lado do tradicionalista romântico do Pindorama, romanticamente expõe; os últimos estágios da existência luminosa de Francisco Mangabeira:

Dessa campanha, quase inverossímil, entretida naqueles confins da Amazônia, entre florestas e águas formidáveis, apreende o poeta os elementos heroicos e compõe uma espécie de lenda com muito maior dose de maravilhoso do que lhe emprestava o comum das imaginações.

Subia quotidianamente à sala do Diário de Notícias e todos os dias nos falava dos Acreanos, com tal sentimento do extraordinário dos seus leitos, que fazia prever um novo lance semelhante ao de Canudos. Afinal aparece-nos a anunciar sua próxima partida para o Acre. Já não era surpresa. O que foi essa aventura de cavaleiro cruzado, inocente de qualquer pensamento egoísta […], o que lhe custou em fadigas e tenacidade essa viagem, a princípio como médico gratuito de um Batalhão, depois a sós, pela vazante do Rio, ora em canoas, ora a pé, sob os flagelos do clima equatorial, até alcançar a sonhada Palestina, disse-nos ele, sem nenhum encarecimento, em uma série de Cartas do Amazonas, páginas impressionistas, onde estampa o sacrifício dos soldados brasileiros, com aquela imensa piedade que na “Tragédia Épica” se estende aos próprios cães, esfaimados, a ganir e a expirar sobre a cova dos sertanejos:

Os Cães

(Mangabeira, 1900)

 

Numa angústia sem fim, iam passando os dias
E as noites a chorar junto das sepulturas,
Até que, pouco a pouco, a fome, a sede e as penas
Os prostraram, e à luz das regiões serenas
Eles morreram como angélicas criaturas…

Está quase a findar a Ilíada do nosso virtuoso boêmio. No Acre fraterniza com os guerrilheiros de Plácido. Ajusta-se facilmente às condições do seu viver afanoso e nômade. Serve como secretário da Revolução e escreve o Hino Acreano que é aprovado no acampamento de Boa Fé. Ouçamos, através de uma só estância, como se afina a alma do poeta para o sentir daqueles patriotas:

Hino do Acre

(Francisco C. Mangabeira)

Mas, se o audaz estrangeiro, algum dia,
Nossos brios de novo ofender,
Lutaremos com a mesma energia,
Sem recuar, sem cair, sem tremer…

E ergueremos, então, destas zonas
Um tal canto vibrante e viril,
Que será como a voz do Amazonas
Ecoando por todo o Brasil.

Depois disso, é a doença palustre, a volta a Manaus, o embarque para a Bahia, os delírios e a morte no mar, após um brado de agonia em que proclama o título que era todo o orgulho da sua fronte ingênua e modesta: – “Como é que morre um poeta com vinte cinco anos!”.

Encerrava-se, mal se abrira, o ciclo daquela existência nervosa, em pleno oceano, e, passando já o primeiro quartel de século, Francisco Mangabeira – na data de 27.01.1904 tombava em viagem de retorno à Bahia, depois de experimentar os tóxicos da inospitalidade do Alto Acre, como experimentara a ebriez (embriaguez) do sangue nas trincheiras que dominaram, homicidamente, os Arraiais fanáticos de Canudos…

Reter-me-ei, por agora, no fato mesmo de sua morte, como traço de mais colocado entre as duas expressões de sua mentalidade: a poesia e a glória.

Como se teria dado essa afirmação terrena de sua qualidade de sobrevivência? Falaram antes de nós os seus biógrafos, embora longamente se reproduzindo a cena de pôr de Sol na amplidão do Oceano sem limites, a confirmar quanto o poeta asseverou por conta própria:

E grande, e nobre, e mudo, morreu…

O Sol subia amortalhando-o em oiro…

 

Fontes:

DINIZ, Almachio. Francisco Mangabeira – Brasil – Rio de Janeiro – Tipografia da Escola Profissional, 1929.

MANGABEIRA, Francisco. Tragédia Épica – Brasil – Salvador – Imprensa Moderna de Prudêncio de Carvalho, 1900.

MANGABEIRA, Francisco. Ultimas Poesias (Obra Póstuma) – Brasil – Salvador – Oficinas dos dois Mundos, 1906.

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

Sócio Correspondente da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER)

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS);

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

E-mail: hiramrsilva@gmail.com;

Blog: desafiandooriomar.blogspot.com.br

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