- setembro 4, 2017
3ª Etapa da Expedição Centenária Roosevelt-Rondon (Parte I)
Rondon: altura média, testa larga, fisionomia distinta, traços finos,
olhos amendoados, queixo delgado. Herói que nasceu soldado e morrerá soldado. Mas herói “sui generis” que, para não matar, nem deixar que se matasse um só homem, preferiu arrostar cem vezes a morte…
(Fuad Carim ‒ Embaixador da Turquia no Brasil)
O Coronel Amílcar Armando Botelho de Magalhães relata-nos:
O Governo Brasileiro, atendendo aos desejos manifestados pelo notável e saudoso estadista da América do Norte, organizou uma Comissão Brasileira para acompanhá-lo na arrojada travessia do Sertão de nossa Pátria e escolheu para chefiar essa Comissão “the right man to the right place” ‒ o então Coronel Rondon. À larga visão de um jovem estadista ‒ o Senhor Lauro Müller ([1]) ‒ Ministro das Relações Exteriores nessa época, devem-se os extraordinários benefícios que advieram para o nosso País, com a acolhida de tal iniciativa, não só pelo reconhecimento geográfico de uma região até aí desconhecida e pelos estudos de História Natural realizados na zona percorrida, como também pelo valor da propaganda do Brasil no estrangeiro, especialmente na América do Norte, através do livro que Roosevelt publicou sob o título “Through the Brasilian Wilderness” ([2]), livro que ele foi escrevendo no decorrer da própria Expedição. […]
Logo que Lauro Müller transmitiu o convite a Rondon, este acedeu imediatamente ao apelo do Governo ponderando, em todo caso, que estaria pronto ao desempenho da Comissão, certo de que “não se tratava de um mero passeio de ‘Sport’, mais ou menos perigoso, mas que o Governo ligaria, aos intuitos de uma travessia pelo Sertão, objetivos científicos de utilidade para nossa Pátria”. Isso indica o ponto de vista elevado em que Rondon se colocava, ao mesmo tempo em que evidencia o quanto ele estava a par do que se passava no mundo, não obstante a sua vivência na floresta por anos seguidos! O Escritório Central tinha sempre a incumbência de lhe transmitir, por telegrama, o resumo dos principais acontecimentos dentro e fora do País, telegramas a que alguns telegrafistas o chamavam Jornal de Rondon. (MAGALHÃES, 1941)
O ex-Presidente Theodore Roosevelt reporta, no seu diário, a jornada fluvial desde Assunção, Paraguai, até a Foz do Rio Apa a bordo da canhoneira paraguaia Adolpho Riquelme onde encontrou-se com Rondon e sua equipe:
SUBINDO O RIO PARAGUAI
09.12.1913
Na tarde de 9 de dezembro deixamos a atraente e pitoresca cidade de Assunção para subir o Paraguai. Com generosa cortesia, o governo paraguaio havia posto à minha disposição a canhoneira-iate do próprio presidente, vapor fluvial muito confortável, de modo que os primeiros dias de nossa expedição foram absolutamente agradáveis. O alimento era bom, nossas acomodações asseadas, dormíamos bem, embaixo ou no convés, usualmente sem mosquiteiro. Durante o dia o convés, sob o toldo, era agradável. […]
10.12.1913
Muito tarde, no segundo dia de nossa viagem, pouco antes da meia noite, chegamos a Concepción. Nesse dia, quando paramos para receber lenha e conseguir provisões – em lugares pitorescos, onde mulheres moradoras em choças cobertas de sapé e de paredes de barro lavavam roupas no rio, ou cavaleiros maltrapilhos nos miravam, parados na barranca, ou estancieiros morenos e bem trajados estavam em frente de casas cobertas de telhas – apanhamos muitos peixes. Pertenciam eles a um dos mais temíveis gêneros de peixes que existem no mundo: a piranha ou peixe canibal, que devora o homem quando se dá oportunidade. Mais para o norte existem espécies de piranhas miúdas que andam em cardumes. […]
11.12.1913
Na madrugada do terceiro dia, vendo que ainda estávamos atracados ao largo de Concepción, fomos à terra em canoa e perambulamos pelas ruas da bonita e pitoresca cidade antiga que, como Assunção, foi fundada pelos conquistadores, três quartos de século antes dos nossos antepassados ingleses e holandeses desembarcarem onde hoje existem os Estados Unidos. Os jesuítas tomaram então, virtualmente, posse completa do que é hoje o Paraguai, dominando e cristianizando os índios e elevando suas florescentes missões a um apogeu de prosperidade a que nunca atingiram missões em qualquer outra parte. […]
12.12.1913
Continuamos navegando rio acima. De quando em quando cruzávamos com outra embarcação – um vapor, ou, com surpresa nossa, um bergantim, talvez, ou escuna. O Paraguai é uma grande artéria comercial. Certa ocasião passamos por uma grande fábrica de carnes em conserva. Casas de estâncias apareciam em ambas as margens, poucas léguas distantes uma das outras, e nós parávamos nos portos de lenha, à margem ocidental. […] Às 12h do dia 12 chegamos à fronteira brasileira. Durante esse dia passamos por colinas baixas, de forma cônica, próximas ao rio. Por espaços, touças de palmeiras irrompiam através das restingas de mato baixo e se estendiam por um ou dois quilômetros, orlando as margens do rio. […] Paramos em um curtume. O proprietário era um espanhol e o gerente um “oriental”, como a si mesmo se chamava, uruguaio descendente de alemães. […]
Na fronteira brasileira encontramos um vapor de fundo chato, que conduzia o Coronel Cândido Mariano da Silva Rondon e outros membros brasileiros da expedição. O coronel Rondon imediatamente mostrou seu valor, que superava tudo quanto se pudesse desejar. Era evidente que conhecia a fundo seu ofício e era igualmente óbvio que seria um companheiro agradável. Fora colega do sr. Lauro Müller, na Escola Militar do Brasil. É de sangue índio quase puro, e positivista — os positivistas constituem, realmente, uma forte agremiação no Brasil, como sucede na França e no Chile. […] Na comitiva do Coronel Rondon estavam o Capitão Amílcar de Magalhães, o Tenente João Lira, o Tenente Joaquim de Mello Filho e o dr. Eusébio de Oliveira, geólogo. Os vapores pararam. O coronel Rondon e vários de seus oficiais, corretamente uniformizados de branco, vieram a bordo; à tarde visitei-o no seu navio, para trocar ideias sobre nossos planos. […] O Coronel falava francês tão bem como eu; mas é claro que ele e os outros preferissem o português e então Kermit servia de intérprete.
Pela tarde, logo após o nascer da lua, paramos para receber lenha em Porto Murtinho, pequena cidade brasileira, onde vivem cerca de 1.200 habitantes. […] (ROOSEVELT, 1944)
EXPEDIÇÃO CENTENÁRIA
03.08.2017
Chegamos a Porto Murtinho, MS, no dia 03.08.2017, por volta das 19h00, e fomos gentilmente recepcionados com um magnífico jantar no Saladeiro Cuê gerenciado pelo Ir:. Antônio Carlos Dias Barreto (Toninho) e sua querida esposa Conceição Montanheri. A organização do evento foi patrocinada pela 2° Cia Fron sob a coordenação impecável de seu SCmt Cap Tiago de Lima Ferreira e pelo 1° Ten Walmir Mathias Teixeira. Pernoitamos a bordo da embarcação KEMOSABE ancorada no porto da 2ª Cia Fron.
04.08.2017
Acordei, como de costume, antes do alvorecer, às 05h00. A avifauna promovia uma agradável manhã festiva nas barracas do Rio Paraguai. Visitei a Agência Fluvial da Marinha, comandada pelo Cap-Ten Sandro Silvetri, com a finalidade de solicitar, se possível, o uso de sua rede para reportar nossa jornada. Fiquei sabendo, então, que a embarcação que tínhamos contratado (KEMOSABE) não estava com a documentação em dia, e, portanto, impedida de seguir viagem. O Cap-Ten Sandro Silvetri autorizou que o 1° Sgt Leonardo Abrantes de Lima Nova nos orientasse na busca de uma nova nau, sendo, depois de muitas tratativas, acordado que seria a Chalana Calypso.
Por espaços, touças de palmeiras irrompiam através das restingas de mato baixo e se estendiam por um ou dois quilômetros, orlando as margens do rio. (ROOSEVELT, 1944)
À tarde, visitamos a 2° Cia Fron e depois fomos até a Boca do Rio Apa, apoiados por elementos da 2° Cia Fron. Extensas matas de carandás (Copernicia alba) adornavam as margens majestosamente. O Carandá é uma palmeira nativa da região do Chaco na Bolívia, Paraguai, Brasil (MS e MT) e Argentina. Seu belo tronco é usado na indústria madeireira, suas folhas na alimentação dos animais, cobertura de abrigos e produção de artesanato. Os frutos são usados como isca e pode atingir até 30 metros de altura.
A demarcação exata e mesmo aproximada do local do encontro de Rondon e Roosevelt na Foz do Apa é evidentemente impossível em decorrência das alterações promovidas ao longo de um século pelo assoreamento e consequentes alterações na Foz do Apa e mesmo no curso do Rio Paraguai, conforme se pode comprovar pela fotografia aérea do Google Earth.
Fontes:
MAGALHÃES, Amílcar Armando Botelho de. Pelos Sertões do Brasil – Brasil – Rio de Janeiro – Companhia Editora Nacional, 1941.
ROOSEVELT, Theodore. Através do Sertão do Brasil ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro ‒ Companhia Editora Nacional, 1944.
VIVEIROS, Esther de. Rondon Conta sua Vida ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro ‒ Livraria São José, 1958.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
Sócio Correspondente da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER)
Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS);
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com;
Blog: desafiandooriomar.blogspot.com.br
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